Para a incursão na travessa Rui Barbosa, o método da Etnografia de Rua, descrito pelas autoras Rocha e Eckert (2001), foi utilizado no trajeto por propor uma incursão que “afirma uma preocupação com a pesquisa antropológica a partir do paradigma estético na interpretação das figurações da vida social na cidade” (Rocha e Eckert, p.5, 2001).
Para capacitar a observação desta pesquisa, a incursão buscou refletir o texto do autor Geertz, “A interpretação das culturas” (LCT, 2012), especificamente o capitulo: “Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura”.
A abordagem semiótica do autor Geertz ensina a entender a cultura como a teia de significados que o próprio homem teceu, encarando a cultura como uma “ciência interpretativa, à procura de suas significações” (Geertz, p.4, 2012).
No campo da antropologia, segundo o autor, a prática etnográfica inicia a analise antropológica como forma de conhecimento. A definição da prática etnográfica não é determinada em textos-livros ou processos determinados, mas “o que o define é o tipo de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma “descrição densa” (Geertz, p.4, 2012).
O objetivo desta compreensão é ampliar o universo do discurso humano, tendo por princípios a cultura como um contexto no qual se descreve os acontecimentos e comportamentos de uma sociedade.
Estudar os acontecimentos e comportamentos, e descreve-los apenas mostra a normalidade da sociedade, colocando-a entre suas banalidades sem perder suas particularidades. O motivo para estuda-los estar em compreender as ações sociais, não sobre um foco objetivo, mas sobre além do mais que elas mesmas.
Esta compreensão é diferente de estudos que realizam um “estilo clinico da formulação teórica” (Geertz, p.19, 2012) os quais diferenciam a “descrição” e a “explicação”. Esta outra visão teórica cria uma diferença entre “inscrição (“descrição densa”) e “especificação (“diagnose”) (Geertz, p.19, 2012), assim, descrevem o que as ações sociais são e afirmam o que o “conhecimento assim atingido demonstra sobre a sociedade na qual é encontrado” (Geertz, p. 19, 2012).
Diferente desta visão, a concepção da interpretação das culturas para Geertz tenta resolver uma dupla tarefa no sentido de:
“Descobrir as estruturas conceptuais que informam os atos dos nossos sujeitos, o “dito” no discurso social, e construir um sistema de analise em cujos termos o que é genérico a essas estruturas, o que pertence a elas por que são o que são, se destacam contra outros determinantes do comportamento humano. Em etnografia, o dever da teoria é fornecer um vocabulário no qual possa ser expresso o que o ato simbólico tem a dizer sobre ele mesmo - isto é, sobre o papel da cultura na vida humana” (Geertz, p. 19, 2012).
Contudo, Geertz coloca que esta ciência é quase sempre incompleta por haver uma estranha compensação de afirmações e suspeitas, na qual “chegar a qualquer lugar com um assunto enfocado é intensificar a suspeita, a sua própria e a dos outros, de que você não o está encarando de maneira correta” (Geertz, p. 20, 2012).
Tendo em vista que as questões mais profundas do ser humano não podem ser respondidas através da etnografia, o autor coloca que o papel da etnografia é:
“Colocar à nossa disposição as respostas que outros deram - apascentando outros carneiros em outros vales - e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou” (Geertz, p. 21, 2012).
Durante a incursão, algumas situações do cotidiano foram registradas com auxílio do caderno de anotações e da máquina fotográfica, como sugerido pelas autoras Rocha e Eckert (2001), para assim serem percebidas através da interpretação das culturas.
Com isso, esta incursão prezou por cenários e movimentos humanos, que ocorreram na travessa Rui Barbosa, com o intuito de percebe-los de acordo com o texto de Geertz, para assim, formar uma estrutura de comportamentos humanos capaz de ampliar o vocabulário e a compreensão sobre o bairro de Nazaré.
Incursão na travessa Rui Barbosa
Ao iniciar o percurso na travessa Rui Barbosa, no cruzamento com a rua Boaventura, no limite do bairro de Nazaré com o bairro do Reduto, a primeira imagem que se entende é de que a arquitetura, formada por uma porção de edifícios antigos reformados de maneira particular em contraste com edifícios altos e novos, representa um local contemporâneo da cidade.
Nesta primeira quadra, o cotidiano pode ser contemplado em diversas ações, desde o guardador de carro em frente as empresas nos edifícios com mais de dez andares até bares e restaurantes populares nas edificações com fachadas antigas, coloridas e adaptadas ao uso. Esta quadra demonstra uma cidade comum com ações normais do cotidiano.
Ainda assim, existem habitações e prédios residenciais com aspectos arquitetônicos conservados. As calçadas de ambos os lados da via são generosas para a passagem de pessoas, além de não haver um movimento intenso de pessoas e veículos. Esta travessa até o cruzamento com a avenida Nazaré é estreita e sombreada, o que causa uma sensação de admiração do urbanismo.
Durante duas quadras deste trajeto, a paisagem se mantém a mesma. Percebe-se uma continuidade do bairro do Reduto no bairro de Nazaré, a qual transmite um período da história da cidade.
Surge um cenário que lembra, em parte, a definição das vias no século XIX, a construção das arquiteturas imitadas da Europa e da América do Norte durante o final do século XIX e início do século XX, até o período modernista. Contudo, os símbolos que sobreviveram até o período atual contam a forma com que os belemense cultivam sua história.
Nesta incursão, registrei o momento em que um casal de namorados passeava por um lado da via em direção à avenida Nazaré sem nenhum incômodo. Nesta imagem, há um sentido comum de viver a cidade de Belém, como caminhar respirando a cidade.
Travessa Rui Barbosa próximo ao cruzamento com a avenida Governador José Malcher. Fonte do autor. Data: 30/09/15. |
Próximo ao cruzamento desta travessa com a avenida Nazaré, o entorno arquitetônico se transforma em uma área de edifícios verticais. A construção dos prédios altos na avenida Nazaré, em grande parte, faz referência a passagem do Círio de Nazaré.
A forma arquitetônica tenta aproximar a observação do morador do edifício à procissão. Então, a presença de sacadas em balanço, aberturas grandes, hall de entradas, e outras disposições projetadas nas planta-baixas posicionam a estrutura arquitetônica em devoção à Virgem de Nazaré.
Tal perspectiva da avenida Nazaré se torna notável neste cruzamento, onde é possível relembrar a segunda fase do movimento moderno, no qual houve a transição da arquitetura purista e ortodoxa, fruto da estética da industrialização, para o projeto arquitetônico com significado cultural, que segundo Baker (1998):
“A certeza doutrinaria dos anos vinte, demonstrada em uma arquitetura de prismas claros e de formas primárias precisas, é substituído por um reconhecimento do mistério da força da vida, com formas que não são compreensíveis de imediato, contendo ambiguidades e contradições” (Baker, p. 252, 1998).
Esta percepção se expressa de forma tão clara neste ambiente que poucas pessoas param para o admirar a arquitetura, porém, durante o período do Círio de Nazaré, este cruzamento se torna um camarote particular para moradores e convidados.
Continuando o trajeto, nas duas quadras seguintes, na travessa Rui Barbosa entre a avenida Nazaré e a avenida Gentil, há uma variedade de edifícios antigos com estilos diversos, entre eles alguns no estilo Neoclássico, Eclético, Art Nouveau e Art Decò. Uma serie destes exemplares representam edificações com fachadas de cinco metros que foram construídas originalmente como habitações unifamiliares. Hoje, a grande maioria se tornou lojas, casas noturnas, restaurantes, bancos, salões de beleza, entre outros serviços que as adaptaram ao uso.
Em vários casos, o projeto buscou tornar a fachada do edifício em uma vitrine ou em um ambiente que atrai a observação do transeunte. Contudo, como no primeiro trecho desta travessa, a caminhada nestas duas quadras que encerram o trajeto é calma e contemplativa.
A leveza com que esta paisagem é transmitida por estas adaptações contemporâneas, as quais conservam alguns símbolos arquitetônicos através da restauração preventiva, é conotada por frequentadores desta área do bairro de Nazaré como uma forma elegante e nobre de preservação do edifício. Desta forma, este trecho é uma área nobre e comercial da cidade, em que nele frequentam pessoas com bem-estar social.
Neste trecho, observei um grupo de pessoas que transitavam nesta travessa entre as avenidas Braz de Aguiar e a Gentil B., o qual havia saído de uma panificadora localizada na esquina da avenida Braz de Aguiar e seguido por esta travessa até uma loja.
Ao acompanhar este movimento, notei que para a interação do grupo, formado por um homem com idade entre os vinte e trinta anos e quatro mulheres com a mesma idade, era necessária uma risada harmoniosa entre todos para manter a união.
Grupo de pessoas no cruzamento da tv. Rui Barbosa com a av. Braz de Aguiar. Fonte do autor. Data: 30/09/15. |
Conforme o grupo se movia, mais se uniam em torno das risadas. Foi possível ver um espaço com alegria e descontração. Fui observando-os até a entrada da loja e percebi que o ambiente para este grupo não mudou. Não houve nenhuma transição do exterior para o interior da loja, apenas mais união.
Com isso, à exemplo deste grupo, admiro a travessa Rui Barbosa por ter esta contemplação à paisagem cultural do bairro de Nazaré, a qual une a arquitetura e o urbanismo, seus aspectos internos e externos, à ambiência do espaço e dos movimentos humanos.
REFERÊNCIAS
BAKER, Geoffrey H. Le Corbusier. Uma análise da forma. Martins Fontes, SP. 1998.
GEERTZ, Clifford. Uma descrição Densa: Por uma Teoria Interpretativa da Cultura, p. 3-21. IN: A interpretação das culturas. RJ, LCT, 2012
ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua : estudo de antropologia urbana. Iluminuras – Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001.n° 44.
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