Para esta incursão, o método da Etnografia de Rua, das autoras Rocha e Eckert (2001), orientou o trajeto por sugerir uma caminhada coletando as situações do cotidiano através do bloco de anotações e da máquina fotográfica. Este último instrumento faz com que a pesquisa se aproxime da realidade com o objetivo de “aprofundar o estudo das formas de sociabilidade no mundo contemporâneo” (Rocha e Eckert, p.10, 2001).
Dessa forma, devido este trajeto percorrer a avenida Gentil Bittencourt entre a avenida Alcindo Cacela e a travessa Quintino Bocaiúva, trecho que pertence ao bairro de Nazaré, e por nele haver a predominância da arquitetura moderna, em grande parte, relacionada a primeira fase do movimento moderno, com aspectos da transição do estilo Art Decò para o modernismo, utilizei o texto do autor Velho (2013), “Um antropólogo na cidade” (Zahar, 2013), que coloca o estudo do antropólogo na cidade de maneira simples e interpretativa, como descreve o autor:
“O antropólogo lida e tem como objetivo de reflexão a maneira como culturas, sociedades e grupos sociais representam, organizam e classificam suas experiências. Neste sentido sua tarefa consiste em captar o arbitrário cultural que define toda e qualquer sociedade. (...). O indivíduo na sociedade moderna move-se entre esses planos, realidades, níveis e constitui sua própria identidade em função deste movimento (...). É a sua experiência individual que é relevante, atravessando as fronteiras físicas e simbólicas de sua rede de parentes, comunidade etc.” (Velho, p. 84-85, 2013).
Essa perspectiva dada pelo autor Velho torna este trecho um cenário para o estudo das situações do cotidiano da cidade. Há assim, esta compreensão sobre o movimento arbitrário das pessoas dialogado com o plano arquitetônico ou de outra forma, percebe-se a integração da cultura material e a imaterial.
Incursão na Avenida Gentil Bittencourt
Esta incursão começa no limite do bairro de Nazaré com o bairro de São Braz, no cruzamento da avenida Gentil Bittencourt com a avenida Alcindo Cacela. Neste início, por haver neste encontro de um lado a parte posterior do Museu Paraense Emílio Goeldi e, do outro, um posto de gasolina adaptado a um grande terreno, a circulação da ventilação é constante, além de haver uma declinação na topografia da avenida Gentil.
Nesta primeira quadra, há seis alamedas que atravessam a avenida para as avenidas paralelas, quatro em direção à avenida Conselheiro e duas para a avenida Nazaré. Este espaço propõe uma contemplação da arquitetura. Há, somente nesta primeira quadra, nove edifícios com mais de dois pavimentos conhecidos como conjuntos habitacionais verticais.
Esta concepção arquitetônica remete aos princípios do movimento moderno. Segundo o autor Colquhoun (2002), durante as primeiras duas décadas do século XX, a arquitetura moderna nasceu do “hormigón armado”, ou seja, uma estrutura com aparência monolítica e cubica. Este princípio tinha como preocupação lograr a estética do volume da industrialização para o processo construtivo.
Um dos mestres do modernismo, Le Corbusier, projetou uma estrutura com um sistema pré-fabricado, o “Dom-in”. Durante esse período, Le Corbusier procurou de maneira redundante a estética da estrutura através de seu sistema construtivo.
Com o seu projeto para a “Casa Citrohan”, um único volume cubico com grandes aberturas sobre pilares separados, Le Corbusier alcançou o seu ideal. Segundo o autor Colquhoun (2002), com este projeto a vanguarda modernista resolveu um novo paradigma, como coloca o autor: “Como no cubismo, a arquitetura passa a reiterar a história: se volve a reflexão” (Colquhoun, 2002, p.143).
Durante a execução deste projeto, em 1927, Le Corbusier formulou cinco pontos técnicos do projeto arquitetônico que foram chamados de “Os cinco pontos de uma nova arquitetura”, que são:
1. “Pilotis: a casa se eleva do chão.
2. Planta Livre: a estrutura do edifício permite que o espaço interno seja organizado da forma como se deseje.
3. Fachada Livre: como as paredes externas não sustentam peso, elas podiam receber, sempre que necessário, janelas e outras aberturas.
4. A janela Larga: uma grande janela horizontal.
5. O terraço Ajardinado: a ideia era recuperar a área coberta pela casa e por seus moradores em contato direto com a natureza” (Darling, Elizabeth, p.17, 2000).
Os cinco pontos citados acima fizeram com que a construção da arquitetura fosse confrontada entre a forma retangular e a planta livre. Esses fundamentos técnicos e formais da arquitetura descritos por Le Corbusier se tornaram uma das fontes do fazer a arquitetura do Movimento Moderno.
Dessa forma, é possível notar que as arquiteturas deste trecho, em grande parte, foram elaboradas com estes princípios. Com isso, as pessoas que moram neste espaço se movimentam através de sua representação.
Por exemplo, ao observar um edifício moderno deste trecho, percebi que o cálculo da locação dos pilotis na planta-baixa fez com que o primeiro pavimento tivesse melhor ventilação e área. Uma manifestação deste sentido arquitetônico está nas brincadeiras das crianças pois, sentem-se livres para correr, pular, bater bola, etc.
No decorrer do trajeto, na segunda quadra, o ambiente muda. Entre a travessa 14 de março e a avenida Generalíssimo, as caraterísticas dos edifícios construídos são pós-modernas. Há mais de quatro edifícios com mais de 10 pavimentos, com fachadas em ferro e vidro, estruturadas para transparecer a arquitetura do edifício e proteger os moradores.
Nessa parte, a representação dos movimentos humanos ocorre diferentemente da forma anterior. O aspecto destes edifícios que constrói o conceito de pós-modernidade na avenida no qual a experiencia de habitar a cidade é dialogada com a estética do edifício. Como num exemplo fotografado em que duas pessoas saem do edifício em direção ao seu automóvel sem necessariamente observarem o movimento urbano.
Av. Gentil Bittencourt. Na fotografia, duas pessoas em direção ao automóvel. Fonte do autor. Data: 19/09/15. |
Na última quadra, percebe-se que todo o cenário surgiu a partir de um edifício antigo, localizado no centro da quadra. Este edifício antigo foi construído no início do século XX com características do estilo neocolonial, para ser o Conservatório Carlos Gomes.
Seus detalhes arquitetônicos correspondem ao período em que o estilo eclético era predominante. Neste período, alguns intelectuais inconformados em produzir imitações das arquiteturas europeias, defenderam o princípio da adaptação a arquitetura colonial brasileira em novas edificações.
Hoje, o Conservatório Carlos Gomes é um cenário muito utilizado por alunos, músicos e professores. Ao caminhar em frente deste edifício, ouvir algumas alunas recitando o “dó, ré, mi, ré, dó”. Talvez estivessem treinando para uma apresentação ou só relembrando a aula de música, contudo, este espaço se torna confortante ao transeunte por entender que este prédio está conservado e sendo bem utilizado.
O entorno deste edifício neocolonial é composto por uma variedade de estilos arquitetônicos. Existem desde de estilos antigos como o Art Decò até os novos projetos planejados em vidro e ferro, o pós-moderno. São exemplos interessantes de arquitetura que se adaptarão após esta construção.
Um momento que registrei fotografando este entorno mostra que o entorno do Conservatório preserva uma harmonia. Um senhor que saia de uma residência moderna pelo portão de entrada, curvado, fechou o portão e olhou para a esquina como quem espera algum movimento.
Com isso, conclui-se este trajeto com a impressão de que há uma diferença no comportamento do indivíduo na cidade, que experiencia a arquitetura e o urbanismo através de seus movimentos e reflexões. Este trecho é mais uma parte do bairro que conta a história da cidade e suas representações.
Um momento que registrei fotografando este entorno mostra que o entorno do Conservatório preserva uma harmonia. Um senhor que saia de uma residência moderna pelo portão de entrada, curvado, fechou o portão e olhou para a esquina como quem espera algum movimento.
Como foi visto, para cada concepção arquitetônica, uma experiencia humana se adapta, construindo assim, a identidade do indivíduo que mora na cidade.
REFERÊNCIAS
COLQUHOUN, Alan. La arquitectura moderna. Una história desapasionada. Editora Gustavo Gilli, SA. Barcelona, 2002.
DARLING, Elizabeth. Le Corbusier. SP: Cosac Naify edições, 2000.
ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua: estudo de antropologia urbana. Iluminuras - Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001, nº 44.
VELHO, Gilberto. Um antropólogo na cidade. RJ, Zahar, 2013.
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