terça-feira, 24 de novembro de 2015

Incursão na travessa Benjamin Constant

Método para Pesquisa

Nesta etapa, a incursão utilizou como método de pesquisa o conceito da Etnografia de Rua das autoras Rocha e Eckert (2001), o qual orienta o pesquisador a realizar a incursão utilizando a câmera de mão e o caderno de anotações.

Nesse sentido, estes recursos podem “aprofundar o estudo das formas de sociabilidade no mundo contemporâneo” (Rocha e Eckert, p.10, 2001), além de tornar o trabalho mais rico. Por exemplo, o uso de imagens reflete a estética do pesquisador e os pensamentos do momento da pesquisa de campo, que por si só da conclusão sobre as anotações.

Em teoria, as autoras colocam que a incursão deve acompanhar o cotidiano com uma reflexão narrativa que encerra os deslocamentos humanos. Para a incursão na travessa Benjamin Constant, utilizei o texto do autor Alberto Manguel intitulado “Lendo Imagens” (SP: Companhia das Letras, 2001), especificamente o capítulo “O espectador comum: A imagem como narrativa” (p.15-33).

Este texto foi selecionado devido ao fato de existir nesta travessa alguns exemplares de habitação do período do ecletismo, os quais permanecem em bom estado de conservação, também por existir neste entorno alguns exemplares da arquitetura neocolonial que receberam novos usos e por esta travessa ter, através destes exemplares, uma imagem muito expressiva, tanto quanto ao restauro, à preservação e conservação arquitetônica, tanto quanto à a própria arquitetura, urbanismo e paisagem, o que levanta o sentido de ler esta imagem de acordo com o que propõe o autor Manguel. 

Neste texto, o autor Manguel coloca que “as imagens, assim como as histórias, nos informam” (Manguel, p. 21, 2001), ou seja, um espectador comum pode perceber várias informações observando uma imagem. Para entender esta forma de observação da imagem, o autor Manguel coloca uma questão “Qualquer imagem pode ser lida? ” (Manguel, p. 21, 2001).

Segundo o autor, quando observamos uma imagem, podemos definir seu contexto, saber sobre sua autoria e o mundo no qual foi criada, podemos saber como foi influenciada, porém, esta imagem será traduzida nos termos da experiencia do espectador. Atribuímos a imagem um “caráter temporal da narrativa” (Manguel, p. 27, 2001), no qual entendemos o limite do antes e depois da criação da imagem e construímos uma narrativa, seja de amor ou de ódio, sobre a imagem. Segundo Manguel, esta atribuição é determinada por:

“Um amplo espectro de circunstancias, sociais ou privadas, fortuitas ou obrigatórias. Construímos nossa narrativa por meio do conhecimento técnico e histórico, por meio da fofoca, dos devaneios, dos preconceitos, da iluminação, dos escrúpulos, da ingenuidade, da compaixão, do engenho. Nenhuma narrativa suscitada por uma imagem é definitiva ou exclusiva, e as medidas para aferir a sua justeza variam segundo as mesmas circunstâncias que dão origem à própria narrativa” (Manguel, p, 28, 2001).

Para existir uma forma comum de ler imagens, o autor coloca que é necessário estar impregnado por conhecimentos anteriores, criados após a imagem. Este código é semelhante a forma com que entendemos, criamos e imaginamos o mundo a nossa volta, onde atribuímos significados morais e éticos para vivermos.

Esta descrição de como ler imagens do autor Manguel, traz à consciência de que a travessa Benjamin Constant pode ser percebida pela imagem de sua arquitetura, urbanismo e paisagem, e entendida através dos significados morais e éticos estabelecidos. Nesse sentido, esta incursão buscou observar quais detalhes arquitetônicos foram preservados nas arquiteturas antigas e quais comportamentos humanos foram atribuídos a este entorno.    


Incursão na travessa Benjamin Constant

Esta incursão teve início no limite do bairro de Nazaré, no cruzamento da travessa Benjamin Constant com a avenida Gentil Bittencourt, e seguiu por cinco quadras desta travessa até o limite do bairro de Nazaré com o bairro do Reduto, no cruzamento com a Rua General Henrique Gurjão. 

A primeira impressão que marca esta travessa é o conforto causado pelas sombras das árvores que, em meio a uma dança com o vento, malham o asfalto em um contraste de brilho e sombra. Junto a isso, as fachadas arquitetônicas da primeira quadra desta travessa, compõem um continuo movimento com as sombras das arvores por terem vidros e materiais metálicos.

A passagem dos automóveis se torna uma distorção da imagem observada pelo espectador. Neste trajeto, os veículos são brilhos e sombras em um movimento mais acelerado.

Neste entorno, as arquiteturas antigas ganham destaque. Há três exemplares da arquitetura neocolonial construídas no século XX para o uso residencial, as quais se tornaram nobres restaurantes. Segundo Kessel (1999), o neocolonial seria um revival por reagir contra um passado recente olhando para trás. Segundo Argan, o revival:

“Nasce como experiência artística e como redescoberta romântica, e mostra-se até nossos dias não só através da expressão na pintura, na escultura e na arquitetura, como também numa evocação de passados místicos relacionados com construções políticas e ideológicas” (Argan apud Kessel, p.68, 1999).

É nesse sentido que no Brasil o neocolonial tentou combinar o culto à tradição e a especificidade da cultura brasileira.

Segundo o autor Kessel (1999), o discurso do neocolonial buscou recuperar a pura e perfeita brasilidade, o que teria sido alterada e desfigurada pelo processo de urbanização. Kessel resume o percurso do neocolonial como uma:

“Reação de vanguarda ao que era visto como excesso de estrangeirismo eclético na arquitetura que se fazia no Brasil no início do século, transmuta-se em resistência ao modernismo calcada ideologicamente no tradicionalismo conservador” (Kessel, p.69, 1999). 

Dessa forma, é interessante perceber que estas arquiteturas têm destaque não somente pelo entorno, mas por haver detalhes que buscaram representar a cultura brasileira em um período de conflito com sua identidade. Hoje, estes três exemplares se tornaram restaurantes nobres, frequentados por pessoas renomadas da sociedade belemense.

Contudo, os edifícios verticais construídos na segunda metade do século XX também compõem alguns aspectos importantes da arquitetura moderna e que ganham destaque na paisagem. O exemplar localizado na esquina da travessa Benjamin Constant com a avenida Braz de Aguiar expõe a parte estrutural do edifício em sua superfície. Seus pilares e sua circulação podem ser observados em seu exterior em uma forma cilíndrica. Cria-se uma imagem que representa a linguagem do movimento modernista.

Ed. Benjamin Constant.
Cruzamento da tv. Benjamin Constant com av. Braz de Aguiar.
Fonte do autor. Data: 21/07/2014. 

Na segunda quadra, entre as avenidas Braz de Aguiar e Nazaré, um conjunto arquitetônico do período do ecletismo construído no início do século XX ainda permanece integralmente conservado. São três edificações geminadas que correspondem a um total de seis residências.

A repetição da tipologia por aproximadamente cem metros, em um entorno sombreado e conservado, transmite um significado nobre. Além deste estilo arquitetônico rebuscar a linguagem clássica, a restauração realizada nestas fachadas está de acordo com os critérios arquitetônicos prezados por alguns autores que tratam da teoria da restauração.

Segundo Brandi (2004), a restauração é a intervenção “voltada a dar novamente eficiência a um produto da atividade humana” (Brandi, p. 25, 2004). Ao entender a obra de arte através de sua dúplice polaridade, estético e histórico, devido a obra de arte ser uma obra de arte e por ter sido feita em um lugar e em um tempo, o autor descreve que a restauração deve visar a transmissão da obra para o futuro.

Nesse sentido, a restauração da obra de arte deve priorizar o restabelecimento da unidade potencial, sem cometer um falso histórico ou cancelar algum traço do tempo.

De acordo com esta teoria, o conjunto de edificações com detalhes ecléticos da travessa Benjamin Constant foi restaurado visando obter o desempenho descrito por Brandi (2004), onde os detalhes que representam a linguagem clássica foram destacados em conjunto dos materiais novos, visando o restabelecimento da unidade potencial, como mostra a imagem abaixo:

Conj. do período do ecletismo na tv. Benjamin Constant.
Fonte do autor. Data: 30/09/15. 

Seguindo o trajeto, no cruzamento da travessa Benjamin Constant com a avenida Nazaré, um conjunto de edificações neoclássicas torna a esquina um local de contemplação.

Este conjunto não é o melhor exemplar da arquitetura neoclássica para a descrição do estilo e de seus detalhes, mas sua localização acrescenta a paisagem do bairro. Em particular, estas edificações podem ser consideradas um destaque desta travessa por haver uma mudança na direção da via após este cruzamento, colocando estas edificações em realce, como demonstra a imagem:

Conj. de Ed. com elementos neoclássicos no desvio da Tv. Benjamin C.
Fonte do autor. Data: 20/10/15. 

Nos três quarteirões seguintes, a travessa Benjamin Constant se torna uma via com largura de aproximadamente cinco metros onde somente um veículo passa por vez.

Durante estas quadras, a travessa não é enriquecida por sombras de árvores e, com isso, a frequência de transeuntes diminui. A mudança no urbanismo aproxima um lado da via ao outro, que por sua vez, é composto por edifícios neutros e modificados, sem haver um destaque arquitetônico.

Há, até o final do trajeto, alguns exemplares antigos em bom estado de conservação, enquanto que uma boa quantidade se encontra desvalorizada e deteriorada.

Dessa forma, pode ser atribuído à imagem dos dois primeiros quarteirões um significado nobre, o qual preserva uma memória do passado em que o crescimento econômico fez da cidade de Belém uma Paris na América, enquanto que nos últimos quarteirões, por não terem arborização nem um afastamento saudável entre as calçadas e a via, a imagem representa uma parte da cidade que tende à ser modificada.

Tv. Benjamin Constant entre a av. Gov. José Malcher e a R. Boaventura.
Fonte do autor. Data: 30/09/15. 



REFERÊNCIAS

BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia, SP. Ateliê Editorial, 2004.
KESSEL, Carlos. Estilo, Discurso, Poder: Arquitetura Neocolonial no Brasil, História Social, Campinas –SP, nº 6, 65-94, 1999.
MANGUEL, Alberto. O espectador comum: A imagem como narrativa, (p.15-33). IN: Lendo Imagens: uma história de amor e ódio. SP: Companhia das Letras, 2001.
ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua: estudo de antropologia urbana. Iluminuras - Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001, nº 44.

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