terça-feira, 24 de novembro de 2015

Incursão na Travessa Dr. Moraes

Método para pesquisa

Esta incursão foi guiada pelo conceito da Etnografia de Rua das autoras Rocha e Eckert (2001) onde é sugerido a investigação antropológica através da coleta das dinâmicas das interações cotidianas e das representações sociais “na” e “da” cidade, anotando, observando e registrando-as através da “câmera de mão” (Rocha e Eckert, p.4, 2001).

Nesse sentido, de acordo com as autoras Rocha e Eckert (2001), esta incursão deve acompanhar o cotidiano com uma reflexão narrativa que encerra os deslocamentos humanos. Dessa forma, por nesta travessa haver o exemplo mais expressivo do período do ecletismo, o Palacete e a vila Bolonha, e alguns exemplares do estilo arquitetônico neocolonial, foi utilizado o texto da autora Marina Waisman (2013), “O interior da História” (Ed. Perspectiva, 2013), especificamente, o sexto capitulo da segunda parte do livro intitulado “Linguagem” (p.121-149), no qual a autora descreve como pode ser entendida a linguagem arquitetônica.

Ao iniciar o capitulo, a autora realiza uma pequena analise entre a linguística primitiva e a linguagem arquitetônica que, de acordo com Lévi-Strauss, em tribos primitivas, a utilização dos conceitos existentes para suprir novos desafios, frequentemente desenvolve modificação do sistema. Da mesma forma, na linguagem arquitetônica os elementos nascem através de um sistema motivado pela estrutura portante.

A decisão para o desenvolvimento de uma linguagem arquitetônica é relativa à um grupo de decisões ou mesmo de uma criação individual. Segundo Waisman, a linguagem arquitetônica ocidental, em grande parte, foi desenvolvida por grupos e indivíduos que interpretaram a realidade dentro de um período cultural.

Com isso, a autora coloca que há três formas de entender a linguagem arquitetônica: através da perspectiva morfológica, funcional e de seu referencial, ou seja, através de sua comunicação.

A perspectiva morfológica pode ser chamada por estrutural e a-estrutural. A primeira condiz com a estruturação do espaço, estabelecida através de uma ordem e divisão. A segunda é relativa a anulação das articulações do espaço, a destruição da organização racional. A autora descreve que a ideia de linguagem arquitetônica estrutural somente foi desenvolvida na Europa durante quase toda sua história.

A a-estrutural é a linguagem que representa a busca pelo modelo original, como as arquiteturas que tentaram resgatar a identidade nacional na América Latina, porém, ainda assim absorveram a mentalidade europeia. Deste ponto, a autora propõe um estudo da linguagem arquitetônica da América Latina através de pontos específicos, como coloca a autora:

“Podem distinguir-se diversos tipos de linguagem: aquelas que possuem um referencial histórico, as que têm referenciais naturalistas, ou referenciais tecnológico-construtivas, ou ainda aquelas que evitam qualquer referencial, aderindo a uma origem puramente geométrica ou abstrata. ” (Waisman, p, 128, 2013).

A análise da linguagem arquitetônica do ponto de vista funcional pode ser entendida como matéria do pensamento ou como instrumento de comunicação. Ambos se constroem em pontos congruentes. Por exemplo, quando um arquiteto tem a intenção de exercer seu raciocínio arquitetônico se torna necessário a comunicação da importância de suas ideias, à exemplo dos mestres da arquitetura moderna que buscaram uma linguagem “virgem de significados, de alusões e virgem também de convicções sintáticas estabelecidas” (Waisman, p. 134, 2013) e assim desenvolveram uma linguagem como instrumento do pensamento, contudo, para a comunicação destas arquiteturas, os conceitos formulados pelos mestres do movimento moderno foram abstraídos para comunica-las.

Dessa forma, a autora enfatiza que existem as arquiteturas do silencio, as quais são reduzidas pela pouca descrição da matéria. No lado oposto, a verborragia de uma autonomia da escrita pode separar o valor da arquitetura referencial do real. E de outra forma, existem as arquiteturas que são esquecidas pelo silêncio social. 

É nesse sentido que autora se encaminha para a conclusão do texto, tratando a linguagem arquitetônica através da arquitetura da palavra. Uma forma de proteger a arquitetura nos países da América Latina é através apropriação do conceito de regionalismo, ou seja, escrever sobre a arquitetura de maneira profunda ao seu referencial. O objetivo desta escrita é construir um discurso projetual, ou seja:

“Palavras que não falam se si mesmas, mas de matéria, de luz, de ar, da cidade com sua história e seu futuro e, no possível, falam também das pessoas que as habitam, que se habituam a viver ou conviver com elas”. (Waisman, p. 149, 2013).

Nesse sentido, a incursão visou perceber os detalhes que dão sentido a esta travessa, registrando com a utilização do caderno de anotações e da máquina fotográfica, instrumentos propostos pelas autoras Rocha e Eckert (2001), os quais deram conclusões a esta etapa junto ao esforço da descrição da linguagem arquitetônica. 

Incursão na Travessa Dr. Moraes

O percurso desta incursão teve início na Vila e no Palacete Bolonha e seguiu por três quadras até o cruzamento desta travessa com a avenida Gentil B., finalizando o percurso neste limite do bairro. 

Antes de iniciar esta etapa, intuitivamente, refleti que esta incursão seria um pequeno percurso com menos descrições que as demais ruas, travessas e avenidas. Após a leitura do texto da autora Waisman (2013) sobre a linguagem arquitetônica e a sua forma de descrição, a arquitetura da palavra, se tornou necessário um aprofundamento da questão.

Com isso, somente registrar os detalhes e entornos arquitetônicos, como tem sido realizado, não alcançaria esta concepção da autora. Nesse sentido, utilizei um caminho artístico para a reflexão. Estiquei e aparelhei uma tela, e nela fiz um estudo sobre a linguagem arquitetônica.

Quase incompreensível, esta tela me fez refletir dois períodos arquitetônicos que correspondem ao início e meados do século XX. Acredito que a unção dos dois períodos pode ser estudada através da unidade com que os elementos arquitetônicos foram utilizados para dar continuidade aos períodos.

Estudo sobre linguagem. Acrílica sobre tela. 110 x 90 cm.
Autor: Luciano Oliveira. Ano: 2015.

Com isso, recomecei a pensar sobre a travessa Dr. Moraes com o intuito de entender a clareza dos estilos arquitetônicos que estão presentes assim como a continuidade na qual se encontra.

No início desta incursão, na vila Bolonha, é possível perceber que a exuberância deste conjunto arquitetônico é a expressão de melhor tradução da cultura europeia em Belém. Como coloca Waisman (2013), esta linguagem arquitetônica pode ser entendida como a-estrutural por corresponder a um tipo de linguagem que buscou um referencial histórico europeu. 

Durante ciclo da borracha, o autor do projeto, Francisco Bolonha, construiu esta vila para ser sua residência e de sua família. Suas características representam o período do ecletismo como os ornamentos em relevo, a azulejaria do Art Nouveau e o uso de objetos pré-fabricados em ferro. Em uma imagem antiga é possível perceber que a vila Bolonha foi construída antes que o Palacete. O mesmo foi encomendado e montado em um terreno pré-definido, localizado no início do lote, como registrado na imagem abaixo:

Vila Bolonha. Fonte: Indicador Ilustrado do Estado do Pará, 1910.

A presença deste exemplar eclético no início desta travessa, o qual está localizado em uma posição central à perspectiva da via, transmite a ideia de que houve uma sucessão de construções arquitetônicas que tentaram compor uma continuidade histórica. Atualmente, este palacete foi restaurado e sua concepção arquitetônica foi preservada.  

Outros exemplares de Palacetes foram construídos nesta travessa os quais são antigos, porém com aspectos mais simplórios. A compreensão que pode ser feita sobre a arquitetura desta travessa, pelo menos até o cruzamento desta travessa com a avenida Nazaré, fica em torno de uma a articulação para a existência de uma unidade

Primeiro quarteirão da travessa Dr. Moraes. Fonte do autor. Data: 03/05/15. 

Na continuação do trajeto, entre as avenidas Nazaré e Braz de Aguiar, outro exemplar que comove a compreensão da unidade da via foi construído no estilo neocolonial com detalhes irreverentes. O edifício pertencente ao Crea, Conselho de Engenharia, localizado nesta esquina, corresponde ao período em que a identidade brasileira tentava recompor-se perante os estilos europeizantes.

Neste sentido, as aberturas, as colunas, os beirais e a projeção do edifício no terreno se tornaram elementos que foram adaptados do período colonial para organização da cultura brasileira em um novo período. Percebe-se a construção de um plano que corresponde a reformulação de uma perspectiva brasileira, mas também, especificamente este prédio, o intento de dar continuidade ao entorno existente.

Edifício do Crea. Fonte do autor. Data: 20/10/15.

Durante todo o percurso, percebe-se que diversas representações foram preservadas para a existência desta unidade. 

De outro ponto de vista, assim como esta travessa transmite um importante referencial arquitetônico da cidade de Belém, a mesma corresponde a um cenário de esquecimento e abandono.

Nos primeiros quarteirões, a inutilização de um Palacete antigo torna parte desta travessa esquecida e, em frente a este Palacete, um edifício com caraterísticas modernas passou por um incêndio e até então não foi restaurado.

É possível compreender a unidade que existe nesta travessa por diversos exemplos sem que com isso torne a travessa Dr. Moraes esquecida.



REFERÊNCIAS

Indicador Ilustrado do Estado do Pará. RJ: 1910.
ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua: estudo de antropologia urbana. Iluminuras - Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001, nº 44.
WAISMAN, Marina. O Interior da História. Historiografia Arquitetônica para uso de Latino Americanos. Ed. Perspectiva. SP, 2013.




Nenhum comentário:

Postar um comentário