domingo, 13 de setembro de 2015

Paisagem Cultural: Uma reflexão para a preservação

Artigo realizado para a disciplina Memória e Patrimônio Arquitetônico do Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará.


Resumo

O presente artigo pretende abordar o percurso que o conceito da Paisagem Cultural teve no Brasil entendendo-o pelo ponto de vista dado por Mário de Andrade para com isso pensa-lo como uma estratégia abrangente de preservação patrimonial. O artigo introduzirá o ponto de vista de Mário de Andrade para o entendimento do conceito, analisará as paisagens preservadas na fase heroica e na fase moderna do Iphan e concluirá com a reflexão da Paisagem Cultural como forma de preservação.

Introdução


Mário de Andrade foi um importante intelectual do Brasil. Ele introduziu idéias fecundas sobre a cultura brasileira e também sobre políticas para preservação da mesma. 

Em 1930, Mário de Andrade alavancou o poder público para a promoção da cultura e formulou as bases para preservação do patrimônio histórico e artístico assim como para o folclore. 

Suas viagens pelo interior do Brasil foram a fonte de sua experiência para a construção de uma metodologia de conhecimento da cultura brasileira de caráter científico.

O ponto de partida de Mário de Andrade em suas viagens ao interior do Brasil foi resgatar o passado em diferentes temporalidades no imenso Brasil. 

A Missão de Pesquisas Folclóricas foi o projeto mais importante para Mário de Andrade, no qual Mário realizou uma “busca etnográfica em que realizou seu maior investimento no sentido de um inventário da cultura brasileira” (Chuva, p.153, 2011). Esse projeto tinha como perspectiva:

"um tratamento integral da cultura cuja trilha seria traçada na experiência, na metodologia de inventário, nas técnicas de registro, na noção de arte com que trabalhava” (Chuva, p.153, 2011).

Em 1936, a pedido do ministro Capanema, Mário de Andrade escreveu um anteprojeto para a criação do Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o qual foi concretizado no decreto-lei 25/1937. 

Para o então criado Sphan, em relação as práticas de preservação, a base para a proteção do patrimônio esteve na tese das três raças, o branco português, o índio e o negro, onde o branco português teria a maior influência, “em razão da maior perenidade dos materiais utilizados nos processos construtivos” (Chuva, p.154, 2011). 

Mário de Andrade não teve espaço nesse contexto.

A cultura para Mário de Andrade deve ser “apreendida como uma totalidade coesa, ainda que constituída pela mais ampla diversidade de práticas possíveis” (Chuva, p.154, 2011). 

O folclore foi por Andrade valorizado como parte constituinte da própria nacionalidade. 

A identidade nacional seria “a síntese de diferentes costumes e formas de expressão, resultado de suas preocupações acerca do folclore” (Chuva, p.154, 2011). 

Ainda para Mário de Andrade, para as políticas de preservação seriam necessárias:

“etnografias populares”: “o povo brasileiro em seus costumes e usanças e tradições folclóricas, pertencendo à própria vida imediata, ativa e intrínseca do Brasil” (Chuva, p.154, 2011).

Mário de Andrade também chamou atenção para a necessidade de um espaço para publicidade que divulgasse as ações do Sphan. 

A revista do patrimônio, com o nascimento previsto no anteprojeto formulado por Mário de Andrade para o Sphan, deveria ter:

“obras de arte pertencentes ao patrimônio artístico nacional", "estudos técnicos, as críticas especializadas, pesquisas estéticas e todo o material folclórico do País” (MEC/Sphan/FNPM: 98 apud Thompson et. al., p. 168, 2011). 

Mário de Andrade e a museóloga e historiadora da arte Lygia Costa acrescentaram também que a revista estaria tendo o papel de preservar o bem, a revista inaugurara os estudos da “historiografia artística com base cientifica” (Thompson et. al., p,170, 2011).

Mesmo o Sphan sendo um grupo de intelectuais, as diferenças existiam. Por exemplo, a concepção de Mário de Andrade, distinta dos demais, de:

“compartilhar e construir o conhecimento em conjunto, e não de uma imposição desse saber, como boa parte das práticas de preservação do patrimônio neste período exercitou” (Bispo, p.43, 2011). 

Só iria existir uma aproximação com a idéia de Mário de Andrade no IPHAN/pró-memória quando o patrimônio é entendido sem a distinção entre folclore e cultura popular e sim, que a cultura é constituída pela diversidade de expressões culturais.

O ângulo para ser entendido o conceito da Paisagem Cultural começa pelo entendimento que Mário de Andrade teve através de seu contato com o popular, por onde Mário considerou o valor das paisagens. Como coloca Ribeiro (2007):

“Mário associava a paisagem à etnografia e, quando dizia etnografia, pensava também nas manifestações populares, na arte popular. Era em função disso que entendia  a paisagem também como um constructo da arte popular, a partir de uma concepção ampla de paisagem.” (Ribeiro, p. 71, 2007). 

Essa concepção dá ao patrimônio a preservação necessária, aponta para uma ampla concepção de paisagem, desassociando-a daquilo que a considera arte erudita.

Contudo, a preservação da paisagem cultural para a UNESCO tem como objetivo ressaltar a relação entre o homem e a natureza criando paisagens nas quais esse relacionamento seja bastante explícito.

A autora Chuva (2011) coloca a categoria de paisagem cultural como um dos passos para superar a falsa dicotomia entre patrimônio material e imaterial por dar ênfase ao homem e o meio associado a um lugar, sem com isso ser uma categoria de patrimônio imaterial e sim, constituída como patrimônio cultural integral.

Nesse sentido, refletir Mário de Andrade possibilita o entendimento da paisagem de vários ângulos, integrando à paisagem um sentido de bem, sem entende-la como uma ambiência ou entorno.


Paisagem Cultural no Iphan

Em 1936, o anteprojeto do Sphan foi formulado por Mário de Andrade que não somente iria configurar a:

"estrutura de funcionamento do novo órgão, estabelecer as diretrizes para os tombamentos, as regulamentações jurídicas para lidar com as restrições ao direito de propriedade impostas pelo ato de tombar, mas também definir "o rol de atividades dentro do vasto território a proteger, escolher as ações que seriam prioritárias, e proceder ao inventário sistemático dos bens culturais do país" (Gonçalves, p. 33, 2007). 

Formou-se uma equipe de arquitetos e intelectuais que com a preocupação com a constituição de uma nova identidade para o país, teriam moldado os contornos e as diretrizes de trabalho do órgão.

O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional foi formalizado no decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, e estruturado em duas divisões técnicas: a Divisão de Estudos e Tombamentos, e a Divisão de Conservação e Restauração.

Os primeiros passos da instituição estariam vinculados a encaminhamentos dos delegados regionais, de propostas de tombamento das edificações e de obras de arte instruídas pelo histórico da obra, descrição pormenorizada, informações sobre seu estado atual de conservação, assim como as alterações que tivesse sofrido, referências bibliográficas que houvesse a seu respeito, para poder haver a decisão do ato de tombamento.

Nessa fase, havia uma obsessão pela ideia da originalidade com a qualificação do monumento. O conjunto de documentos sobre o monumento deveria ser feito por inúmeras atividades entorno de sua inscrição no Livro do Tombo. 

Partiu desse momento maiores intenções sobre o patrimônio, onde o objetivo estaria em difundir o conhecimento teórico dentro da instituição, assim, se distendeu o conhecimento sobre a matéria da preservação em universidades e em ampliações de pesquisa, de onde o Sphan, seria considerado academia pela formação discursiva especifica, inclusive os processos executados pelo órgão serviriam de manuseio para a disciplina, como por exemplo: os trabalhos de inventário, de levantamento de fontes de informação, de proteção de documentos, da produção de estudos e pesquisas.

Em 1936, o jornal o globo destacou o patrimônio artístico do Brasil em sua manchete para o convidar o leitor à entrevista feita pelo jornal com Rodrigo M. F. de Andrade. Rodrigo de Andrade e outros intelectuais estavam ligados ao ministério da educação e saúde que logo organizaria a defesa do patrimônio. 

Entre os intelectuais estavam Carlos Dummont, Lúcio Costa entre outros, chamados de modernistas e pelo termo ‘academia Sphan’.

Esta entrevista deixou claro o que a autora Gonçalves (1996), citada no texto do autor Bispo, chamou de “retórica da perda”, conceito baseado:

“numa percepção de que os valores culturais da nação estariam desaparecendo e, com isso, precisavam ser protegidos. Esse tipo de discurso, diz Gonçalves, objetiva as manifestações culturais, dando a elas um aspecto de concretude, mesmo diante de seu iminente sumiço” (Bispo, p.36, 2011). 

Além da retórica da perda, a entrevista é um exemplo da visão modernista em torno da “memória nacional”, bens culturais constituiriam lembranças de toda a população lembrado por meio de conservação de edifícios históricos e museus. 

Segundo Bispo (2007), essa concepção de “povo brasileiro” dos modernistas é restrita ao grupo de intelectuais e seus pares. Os modernistas ampliaram os interesses estéticos e históricos de uma coletividade forjando a ideia de “povo brasileiro”. 

O autor Bispo (2007) coloca que nessa primeira fase, a fase heroica, a “memória nacional” está relacionada ao passado dos modernistas, que tornaram-na uma memória obrigatória a todos, além de ter gerado esquecimento de outras memórias subalternas.

Fica claro essa afirmação que Bispo (2007) faz aos técnicos Sphan no artigo produzido pelos autores Thompson, Leal, Sorgine e Teixeira (2011). 

Neste texto, os autores fazem uma análise da história da revista do patrimônio, de seu nascimento aos últimos volumes, questionando:

“qual civilização estaria sendo representada nos documentos-monumentos da nação ?qual passado nacional teríamos de resgatar ?” (Thompson et. al., p.186, 2011).

Rodrigo Melo Franco de Andrade esteve à frente da revista de 1937 a 1967, neste período a revista foi produzida para ser um espaço para construção e difusão de:

“idéias a respeito de um recorte da chamada cultura material, sua identificação e redescoberta, seu registro e formas de proteção” (Chuva, 1998:2007 apud Thompson et. al., p.171, 2011).

Os temas dos periódicos estavam ligados ao estudo sobre os monumentos de arquitetura religiosa datados do período colonial, assim como descrições da pintura e escultura decorativa religiosas dessas edificações e trabalhos bibliográficos. 

O Sphan através da revista ampliou as possibilidades de atuação do serviço. Esse discurso possível motivava a preservação e o estudo a respeito da variedade. Assim, tal discurso culminou nas ações de proteção do Sphan.

Neste primeiro período, o modernismo estava mudando a forma de pensar e escrever o Brasil, abrindo possibilidades para a cultura brasileira. 

Os modernistas operaram na substituição da palavra raça pela palavra cultura para pensar a nação brasileira, valorizando as práticas culturais tanto populares quanto eruditas, em busca de traços originais. 

Assim, foram feitas viagens ao interior do Brasil, registrando um outro Brasil. Nesse momento, o olhar etnográfico é visto como paradigma de um olhar modernista.

O curso dado por Afonso Arinos de Melo Franco possibilitou a compreensão das bases teóricas e metodológicas das ações iniciais do Sphan.

A autora Chuva (1998) faz uma consideração sobre o conceito que Afonso Arinos ministrava no curso, enfatizando que a revista se tornou um periódico especializado em:

“História da civilização material no Brasil, temporalmente concentrada no período colonial português” (Chuva, 1998:230 apud Thompson et. al., p .185, 2011).

Fonseca (2005) considera que o conceito de Afonso Arinos:

“possibilitava uma leitura dos bens conjuntos tombados a partir de sua relação com o processo histórico de ocupação das diferentes regiões” (Fonseca, 2005:107, apud Thompson et. al., p. 186, 2011). 

Para Carvalho (2005), o conceito de Afonso Arinos demonstra que a:

"cultura teria a ver com valores, consciência coletiva, ciência, religião, etc. Seria o domínio subjetivo do mundo. Civilização, por outro lado, seria um produto da cultura, suas manifestações aparentes, materializadas em objetos do mundo pela técnica. (...) a civilização é a cultura realizada pela técnica” (Carvalho, 2005:14 apud Thompson et. al., p. 187, 2011). 

Por mais que existam contribuições da cultura negra e índia para o Brasil, neste período se prezou pelo conceito de "civilização material", no qual poucas contribuições importantes perduraram. 

Esta concepção foi importante para o Sphan, juntamente com o livro de Afonso Arinos, que foi escrito como um programa de trabalho com proposta de revisão da história do Brasil.

O autor Bispo (2011), ao analisar os intelectuais do Sphan, coloca dois conceitos do autor Pollak (1989) para o entendimento da concepção modernista: o trabalho de enquadramento da memória nacional e as exigências de justificativas nitidamente nas ações modernistas. 

A memória pátria se daria por várias maneiras cabendo ao Sphan constitui-la por meio de monumentos e edifícios históricos.

Pollak (1989) coloca o enquadramento da memória como também constituído por monumentos, museus, bibliotecas, etc. 

Os modernistas privilegiaram a arquitetura colonial considerada a mais original enquanto que outras foram esquecidas, a exemplo do ecletismo, preservado a partir de 1980 e 1990. 

Os modernistas também privilegiaram como outro critério de seleção da memória nacional a nova arte, chamada de arquitetura moderna.

Além do enquadramento da memória proposta pelos modernistas, estes tiveram que disputar espaços com grupos intelectuais com visões diferentes.

Os meios de comunicação foram uma arena de lutas e conflitos. O diretor do Sphan, Rodrigo de Andrade, utilizava os meios de comunicação para a consolidação do patrimônio cultural do Brasil. 

Disputas pelos veículos de comunicação aconteceram entre modernistas/Sphan e os Neocoloniais liderado por José Marianno Filho, grupo que incluía professores da Escola Nacional de Belas Artes.

Ambos eram a favor da preservação da arquitetura do século XVII e XVIII, porém profundamente diferentes quanto a utilização para valorização e apropriação dessa memória nacional. 

O grupo neocolonial defendia a:

“continuidade do passado e uma reprodução dessa arquitetura no presente, de maneira estilizada e misturada às conquistas do campo arquitetônico” (Bispo, p.45, 2011). 

Os modernistas estavam preocupados com o futuro da nação, preocupados em construir a nova arquitetura.

Como pode ser entendido, nas publicações e nos meios de comunicação, as prioridades foram dadas a arte e a arquitetura do século XVII e XVIII remanescentes do período colonial. 

Foi investido na consolidação de grandes nomes, como Aleijadinho, além das concepções e princípios que fariam das cidades mineiras algo de valor inestimável. 

Essa produção torna-se inevitável aos interessados até hoje.

Nos primeiros anos, o Sphan se preocupou em preservar práticas eruditas ao gosto estético das classes mais altas, a memória nacional se reduziu a alta classe. As manifestações populares foram esquecidas neste momento, mesmo com a insistência de Mário de Andrade.
  
Nesse primeiro momento da preservação do patrimônio eram os arquitetos que disputavam, selecionavam e escolhiam o que seria preservado, foram poucos os tombamentos que visavam a paisagem cultural. 

Ribeiro (2007) coloca que entre a década de 30 e 60 as paisagens são tombadas em um certo padrão nas inscrições no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, a partir:

“do valor do bem como paisagem, excluídos os bens inscritos por seu valor arqueológico ou etnográfico” (Ribeiro, p.75, 2007). 

Esses padrões são entendidos como:

Tombamento de jardins e bens mais diretamente ligados ao paisagismo; 
Tombamento de conjunto; 
Tombamento de monumentos junto a aspectos da natureza que os emolduram; 
Tombamentos de áreas cujo panorama seja importante para populações que vivem nos arredores. (Ribeiro, p.75, 2007)

Um dos exemplos de paisagem preservada do primeiro grupo foi o Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Pouco é informado sobre seu valor patrimonial no Arquivo Central do IPHAN no Rio de Janeiro. 

O Jardim foi criado por decreto de Dom João VI em 13 de junho de 1808, tornando-se espaço de rara beleza cênica. Ribeiro coloca que por mas que possa ser atribuído valor histórico, este foi inscrito no livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico.

No segundo grupo, o primeiro conjunto a ser preservado foi o conjunto arquitetônico e paisagístico da Ilha de Boa Viagem, em Niterói, estado do Rio de Janeiro, em 30 de maio de 1938, que foi inscrito também no Livro de Belas Artes. 

No terceiro grupo, o primeiro tombamento foi o do Conjunto Arquitetônico e Paisagístico Casa e Colégio do Caraça, em Minas Gerais, inscrito em 1955, ao mesmo tempo no Livro Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. 

No quarto grupo, a Serra do Curral, entorno de Belo Horizonte, processo aberto em 1958, foi tombada pelo seu valor para Belo Horizonte e pelo valor de sua vista, associada à identidade da cidade. Foi inscrita no Livro do Tombo Paisagístico com seu valor de panorama.

A partir da década de 60, a prioridade das inscrições passa do livro Histórico para o Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, ligado ao tombamento de conjuntos e na ampliação dos critérios de tombamento.

Muito se deve a Carta de Veneza, de 1964, essa transformação, pois esta eleva a categoria de monumento conjuntos urbanos modestos.

O conceito de paisagem cultural, nesse segundo momento, permitia rupturas e continuidades dentro da prática do Iphan. Essa categoria levantava considerações de elementos de interesses menores. 

A única cidade mineira que obteve uma nova inscrição em outro livro foi Ouro Preto, inscrita em 1986 também no Livro Histórico e no Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. 

Segundo Ribeiro (2007), da mesma forma, esse olhar transformador sobre os centros históricos, capaz de lhes incorporar novos valores também esteve presente na inscrição de outras cidades naquele momento. 

Para a autora Sant’Anna (1995), esse momento é identificado como quando:

“a cidade patrimônio deixa de ser concebida somente como cidade-monumento, passando a ser vista também como testemunho da evolução da organização social, fazendo jus ao nome de 'cidade histórica'. Aos antigos valores históricos e artísticos agrega-se o valor paisagístico como um critério predominante na seleção de áreas urbanas. A noção de paisagem, de resto, sempre presente em todos os tombamentos extensos, ganha agora maior força, incluindo cada vez mais o aspecto ambiental e cada vez menos a questão arquitetônica (...) A hegemonia do valor paisagístico é também, naturalmente, reflexo do discurso de contextualidade do objeto patrimonial no seu entorno.” (Sant’Anna, 1995: 170-171 apud Ribeiro, p. 90, 2007).

Outros exemplos de novas inscrições no Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagista são o conjunto urbano de Paraty e o município de Porto Seguro, ambos representam cidades históricas rodeadas por áreas naturais.

Quando Aloísio Magalhães assume a diretoria do Iphan (1979-82), o patrimônio natural recebe maior atenção.

O documento elaborado neste período pela instituição intitulado “Diretrizes para análise e a classificação do patrimônio natural”, propõe uma divisão entre sítios naturais e sítios alterados.

Segundo Ribeiro (2007), a paisagem cultural, se comparada a classificação de instituições internacionais, deveria prever mais a interatividade entre cultural e natural, material e imaterial.

Nesse sentido, a paisagem tem sido mais entendida como panorama e vinculada a outros bens culturais, a partir dos quais é atribuído valor a ela.

Com o texto constitucional de 1988, inicia-se no Brasil a noção mundial de patrimônio imaterial. O decreto nº 3.551 concretizou a preservação dos bens imateriais.

O grupo que subsidiou a elaboração do decrete colocou que:

 “optou-se por iniciar um trabalho de identificação, inventário, registro e conhecimento do patrimônio imaterial de relevância nacional antes” (Iphan, 2003:19 apud Chuva, p.161, 2011).

Deste período em diante, irá existir uma semelhança às proposições de Mário de Andrade, atribuindo valores as manifestações culturais passíveis de registro, destacando da identidade cultural brasileira sua diversidade.


Conclusão: Para refletir a Paisagem Cultural

Da década de 90 à 2000, instituições de preservação do patrimônio cultural no Brasil tem intensificado o processo de incorporação da paisagem como patrimônio. 

A paisagem cultural surge nesta trajetória de 70 anos de preservação no Brasil como uma forma integradora do patrimônio, unindo o natural e cultural e o material e imaterial. 

A autora Chuva (2011) critica a opção de estabelecer uma linha de continuidade dos anos 30 até hoje em torno de Mário de Andrade. 

Para a autora, é necessário investigar as inflexões da trajetória do patrimônio.

Chuva (2011) coloca dois pontos para se pensar uma forma integradora do patrimônio cultural:

“Os valores identificados nos bens culturais são atribuídos pelos homens”, dessa forma “devem colocar em destaque os sentidos e os significados atribuídos ao bem pelos grupos de identidade relacionados a ele”; 
“Os sujeitos produtores de sentidos são vários e deveriam ser confrontados em fórum de discussões”, e assim “políticas públicas de patrimônio precisam explicitar quem são os sujeitos que estão sendo privilegiados” (Chuva, p.163, 2011).

O autor Ribeiro (2007) coloca alguns aspectos que devem balizar qualquer abordagem sobre a paisagem como um bem patrimonial:

"Devemos ter em mente que a paisagem cultural deve ser o bem em si, evitando cair no erro de percebê-la como o entorno ou  ambiência para o sitio, ou para determinados elementos que tenham seu valor mais exaltado." (Ribeiro, p. 111, 2007); 
"A grande tarefa que cabe àqueles que trabalham com a proteção do patrimônio cultural é a de identificar quais paisagens culturais devam ser objeto de atribuição de valor e de preservação a partir de quais critérios." (Ribeiro, p. 112, 2007); 
"Outro problema que tem que ser resolvido pela Instituição é quanto às estratégias que devem ser adotadas para a sua preservação." (Ribeiro, p. 113, 2007).

Dessa forma, o trabalho de Mário de Andrade é uma alternativa para o entendimento dessa abordagem sobre a paisagem cultural, trabalho que abrange ao conceito de paisagem. 

Uma reflexão que pode ser feita para solucionar a preservação da paisagem, segundo Ribeiro (2007):

“É na pratica e ações do dia-a-dia que a visibilidade de determinadas estratégias pode ser demonstrada com mais ênfase. É nos problemas e na discussão entre as pessoas envolvidas nessa pratica que o tema vem ganhando corpo dentro das instituições da preservação do patrimônio cultural no País. Isto, no entanto, não nos permite que percamos de vista o embasamento teórico” (Ribeiro, p.113, 2007). 

REFERÊNCIAS

BISPO, Raphael. Selecionar, disputar e conservar: Práticas de comunicação social e constituição da memória nacional pelo Iphan. Revista CPC, São Paulo, n.11, p.33-59, nov. 2010/Abr. 2011.
CHUVA, Márcia. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 34/2011 -  Por uma história da noção do patrimônio cultural no Brasil. p.147-165 – IPHAN, 2011.
GONÇALVES, Cristiane Souza. Restauração Arquitetônica. A experiência do SPHAN em São Paulo 1937-1975. São Paulo: Annablume/ Fapesp, 2007.
RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem Cultural e patrimônio. Rio de Janeiro: IPHAN/COPEDOC. 2007.
THOMPSON, Analucia, LEAL, Cláudia F. Baeta, SORGINE, Juliana, TEIXEIRA, Luciano dos Santos. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 34/2011 -  História e Civilização Material na Revista do Patrimônio. p.167-197 – IPHAN, 2011.

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