quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Compreendendo ações no bairro de Nazaré

Compreendendo ações de preservação em edifícios antigos: O Palacete Histórico onde funciona a instituição de ensino Iesan e o restaurante Famiglia.


Nessa etapa foi pesquisado em duas edificações antigas, um Palacete Histórico localizado na avenida Governador José Malcher próximo à avenida Generalíssimo Deodoro e uma edificação neocolonial na Travessa Benjamin Constant entre as avenidas Braz de Aguiar e Nazaré, como a ação da restauração arquitetônica ou a intervenção arquitetônica foi executada e como cada prédio pode ser interpretado pela observação do entorno.

Ambos os edifícios foram construídos durante o século XX e hoje receberam um novo uso. Na primeira análise, o palacete histórico onde hoje funciona uma instituição de ensino (Iesan) foi construído no início do século sob as leis de construção arquitetônica impostas pelo intendente Antônio José de Lemos.

Em 1904, as Leis municipais exigiam que todas as construções daquele ano em diante deveriam ter paredes sólidas, sacadas acima de cinco metros, nenhum cômodo menor que 12 m² exceto o banheiro, determinação de uma altura para cada pavimento, nenhum edifício maior que 20 metros, entre outras leis.

Palacete Histórico construído em 1905, atual Iesan.
Fonte: Cruz, 1971.

Durante o período do ciclo da borracha foram realizadas trocas da matéria-prima por produtos industriais pré-fabricados como materiais de construção e até mesmo prédios inteiros. Os detalhes desta edificação representam um período em que os ornamentos eram projetados em prol da estética romântica, como descreve a autora Bassalo:

“A Revolução Industrial propiciou o desenvolvimento econômico do mundo contemporâneo, transformando qualitativamente os processos produtivos e, entre outras coisas, provocando o aparecimento da grande indústria, a expansão do comércio mundial, o surgimento da burguesia industrial, de novas doutrinas sociais e econômicas, de rivalidades mais profundas entre as nações (...) Vivenciando o clima de poderio econômico, a sociedade burguesa de fins do século XIX, já refinada culturalmente, eufórica e despreocupada, necessitava de uma arte que refletisse esse ilusório entusiasmo, provocado pela relativa paz social e pelo avanço da tecnologia, e que satisfizesse às suas exigências práticas e “culturais”. (...). Os artistas daquele final de século, por sua vez, sentindo que o vertiginoso desenvolvimento industrial facilitava a produção de obras em série, procuraram, por meio de uma herança de origem romântica, criar uma forma artística espontânea e original, que também satisfizesse à necessidade de expressão individual, ao desejo pessoal" (Bassalo, p. 11, 2008).

Com o declínio da economia, a arquitetura deste período perderia sua finalidade. Até o final da primeira metade do século XX, a cidade de Belém conviveu em decadência. O convívio contemporâneo da cidade foi retomado através de novas tendências artísticas e arquitetônicas a partir da segunda metade do século XX.

No segundo caso estudado, a edificação construída na segunda metade do século XX, com traços neocoloniais representa um momento em que a cidade de Belém estava se adaptando ao novo contexto da arquitetura mundial.

 Esse edifício corresponde a uma mudança que ocorreu na história da arquitetura, um ponto de inflexão entre a corrente ortodoxa modernista, aquela levantada pelos mestres da arquitetura como Le Corbusier, Mies Van der Role, Walter Gropius, em face a nova geração que construía o sentido da arquitetura moderna através do significado cultural.

Num momento em que a cidade de Belém se via constrangida a identificar seu sofrimento, arquitetos e engenheiros alavancados pelos autores Ruy Meira, Alcyr Meira, David Lopes, Camilo Porto, Jorge Derenji, Milton Monte, realizavam construções que revigorariam a alma da cidade. O exemplo citado foi projetado pelo autor Ruy Meira para ser sua residência.

Ambas as edificações foram adaptadas para outros fins. É importante que se entenda o que Brandi (2008) coloca como restauração. Para o autor, a restauração constitui o momento metodológico do reconhecimento da obra de arte, na sua consistência física e na sua dúplice polaridade estético e histórico, com vistas à transmissão para o futuro. 

Brandi coloca dois princípios para esta ação. O primeiro axioma da teoria da restauração propõe a restauração somente da matéria da obra de arte, no segundo, o autor coloca que a restauração deve visar o restabelecimento da unidade da obra de arte, desde que isso seja possível e sem cancelar nenhum traço da passagem da obra no tempo.

Segundo Brandi, para a restauração arquitetônica a elaboração do projeto de restauração deve ter estudo atento ao contexto territorial ou no tecido urbano, aos aspectos tipológicos, aos traços marcantes e qualidades formais, aos sistemas e características estruturais, em relação à obra originaria.

No primeiro exemplo, o palacete histórico onde funciona a instituição de ensino, percebe-se que devido ao novo uso, o edifício precisou receber uma intervenção que correspondesse as características da instituição. Segundo Kuhl (2008), o tratamento da superfície arquitetônica em edifícios históricos é de primordial importância, como descreve a autora:

“A abordagem desse problema depende da proposta de restauração como um todo, resultante de analises pormenorizadas do edifício ou conjunto de edifícios e do ambiente em que estão inseridos. Todas as decisões relativas às ações a serem desenvolvidas, incluindo-se o tratamento de superfícies, deveriam, de forma articulada, derivar dessa análise, seguindo os princípios basilares que regem a restauração. O tratamento de superfícies deve ser encarado dentro desse processo e deve ser reconhecido com o status de um verdadeiro problema de restauração, ou seja, problema histórico-critico, e não decisão baseada unicamente em critérios técnicos e, muito menos, como simples questão de gosto ou de moda” (Kuhl, p. 229, 2008).

Dessa maneira, o edifício em questão não utilizou nenhuma técnica de tratamento da superfície arquitetônica, apenas tratou da questão da imagem. A aparência do edifício demonstra aos observadores e frequentadores que o prédio poderia ser outro, uma nova edificação.

Por outro lado, as cores utilizadas na superfície não são vibrantes, ainda se pode perceber os detalhes do edifício com clareza, por mais que estas cores não respeitem a composição original do palacete.

Palacete Histórico onde hoje funciona o Iesan. Desenho gráfico.
Fonte do autor. 

O outro exemplar estudado recebeu uma intervenção arquitetônica através de uma ação crítica de restauro. O edifício era a residência do autor do projeto que o construiu utilizando uma linguagem arquitetônica que remete ao estilo colonial.

Estes elementos neocoloniais são detalhes que serviram como princípios para teses da preservação da identidade nacional durante a transição do período do ecletismo para o modernismo. Nesta arquitetura há derivados da tendência neocolonial como também, agora, da linguagem moderna.

Hoje, o restaurante Famiglia é um ponto do bairro de Nazaré marcado pelo movimento de belenenses em reuniões familiares, em celebrações e eventos. A intervenção arquitetônica conseguiu realizar uma ação crítica sobre o edifício sem diminuir seu valor. Uma estrutura em ferro foi projetada ao lado da fachada principal causando um impacto pós-moderno ou uma revitalização.

Talvez seja este um futuro para a recomposição da identidade nacional, como prezado pelos arquitetos que defenderam esta tendência. A revitalização criteriosa, respeitando os elementos com o compromisso de não os esquecer se torna uma comprovação de que há um objeto preservado a ser estudado.

Restaurante Famiglia. Fonte do autor. Data: 23/03/15. 

REFERÊNCIAS

BASSALO, Célia Coelho. Art Nouveau em Belém. Brasília, DF: Iphan/ Programa Monumenta, 2008.
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia, SP. Ateliê Editorial, 2004.
CRUZ, Ernesto. As Edificações de Belém. 1783-1911. Conselho Estadual de Cultura, Belém – Pará. 1971.
KUHL, Beatriz Mugayar. Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: Problemas Teóricos de Restauro. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2008.

Nenhum comentário:

Postar um comentário