Neste etapa, esta incursão visou percorrer um trecho do bairro de Nazaré, especificamente a travessa Quintino Bocaiúva, através da Etnografia de Rua.
Este método etnográfico foi proposto pelas autoras Rocha e Eckert (2001) como um método que busca capacitar o olhar do pesquisador para as dinâmicas sociais, ou seja, a utilização deste método visa perceber a vida urbana pelos cenários e contextos através da observação etnográfica.
Assim, a Etnografia de Rua é um estudo de observação sistemática de uma rua, de ruas ou de bairros, seguida de uma descrição etnográfica das situações, cenários, personagens, circunstâncias do movimento urbano local para identificar “significados sobre o viver o dia-dia na cidade” (Rocha e Eckert, p. 7, 2001).
As autoras também orientam acompanhar o cotidiano com uma reflexão narrativa que encerra os deslocamentos humanos, cabendo ao etnógrafo supor uma referência para a observação.
Dessa forma, devido a uma grande quantidade de estabelecimentos comerciais, este trecho do bairro de Nazaré permite ao pesquisador ter uma compreensão das características arquitetônicas em uma perspectiva cultural.
Dessa forma, devido a uma grande quantidade de estabelecimentos comerciais, este trecho do bairro de Nazaré permite ao pesquisador ter uma compreensão das características arquitetônicas em uma perspectiva cultural.
Segundo Eco (2013), dar significado a arquitetura levanta dificuldades a Semiologia. A primeira dificuldade estar em comunicar o significado da arquitetura porque “os objetos arquitetônicos aparentemente não comunicam (ou, pelos menos, não são concebidos para comunicarem) mas funcionam. ” (Eco, p.188, 2013).
Esta questão é resolvida na possibilidade da função atribuir um comunicado, como coloca o autor: “Para a semiologia, quando pretende fornecer chaves explicativas de todos os fenômenos culturais, é saber, antes de mais nada, se as funções podem ser interpretadas também sob o aspecto comunicacional” (Eco, p. 188, 2013).
Num segundo momento, se desenvolve a questão se esta função com aspecto comunicacional não permitirá “compreende-las e defini-las melhor justamente como funções, e nelas descobrir outros tipos de funcionalidade, igualmente essenciais, que a pura consideração funcionalista impedia discernir” (Eco, p.188, 2013).
O autor conclui que não são apenas as funções possíveis que dão significado a arquitetura. Os estímulos e reconhecimento destes estímulos fazem com que esteja atribuído nela outros “significados coligados que me dispõem para o uso funcional” (Eco, p.192, 2013), ou seja, ações que estão representadas na arquitetura, como entrar, subir, andar, passar, debruçar, estender, etc.
Dessa forma, o signo arquitetônico tem como significado codificado o que o contexto social atribui. Os significados arquitetônicos são hipóteses teóricas criadas por usos comunicacionais, assim, se reconhece “no signo arquitetônico, a presença de um significante cujo significado é a função que ele possibilita” (Eco, p. 196, 2013).
Através desta análise busquei identificar como cada signo arquitetônico ou espaço arquitetônico recebe seu significado pelo contexto social.
Como a Etnografia de Rua sugere uma reflexão narrativa que encerre o deslocamento humano, utilizei também o texto “a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” do autor Walter Benjamin (1985), especificamente quando o autor constrói o texto Reprodutibilidade técnica.
Como a Etnografia de Rua sugere uma reflexão narrativa que encerre o deslocamento humano, utilizei também o texto “a obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica” do autor Walter Benjamin (1985), especificamente quando o autor constrói o texto Reprodutibilidade técnica.
Nesta parte do texto, Benjamin desenvolve a essência da obra de arte deste a imitação praticada por discípulos em prol de seus mestres, a invenção da imprensa, a criação da máquina fotográfica onde a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes e a partir de então apenas o olhar seria responsável pela reprodução da arte até a reprodução cinematográfica.
Esta construção da reprodutibilidade técnica da obra de arte nos permite compreender como cada pessoa tenta atribuir ao seu ambiente um significado que representa sua essência, devido a era da reprodutibilidade técnica impor às pessoas uma reflexão sobre seu significado.
No decorrer desta incursão são notadas várias formas de preenchimento do espaço, desde a própria arquitetura, projeto ou reforma arquitetônica até a comunicação visual, logomarcas, banner, cores e outdoors.
Se torna possível a reflexão sobre o significado arquitetônico em casos onde o dono do estabelecimento emprega uma característica que atrai a atenção dos frequentadores.
No conjunto de fachadas nesta travessa, a impressão que se tem causa uma aproximação com o que Benjamin explica como cinema pois, cada fachada tem sua própria identidade o que se conclui que “a reprodução da obra de arte e a arte cinematográfica –repercutem uma sobre a outra” (Benjamin, p 167, 1985).
No conjunto de fachadas nesta travessa, a impressão que se tem causa uma aproximação com o que Benjamin explica como cinema pois, cada fachada tem sua própria identidade o que se conclui que “a reprodução da obra de arte e a arte cinematográfica –repercutem uma sobre a outra” (Benjamin, p 167, 1985).
Primeiro trecho: Incursão pela travessa Quintino Bocaiúva entre as avenidas Conselheiro Furtado e Nazaré
Durante esta incursão, na primeira quadra deste trecho, na travessa Quintino Bocaiúva entre as avenidas Conselheiro Furtado e Gentil Bitencourt, correspondente ao limite do bairro de Nazaré com o bairro da Cremação, o relevo é representado por uma elevação em direção ao centro do bairro de Nazaré.
Esta quadra é formada por edificações em maior parte térreas com características arquitetônicas descaracterizadas. Pela análise do conjunto das fachadas, os lotes foram aproveitados até o limite do terreno e aparentemente os projetos antigos foram modificados em função do novo uso.
Ao subir esta primeira quadra, chega-se a um cruzamento de constante transito de carros pela manhã e pela tarde. De um lado, uma instituição de ensino ocupa todo quarteirão com uma edificação vertical moderna. Do outro lado, algumas franquias de lojas nacionais e multinacionais destacam uma área nobre da cidade muito frequentada por estudantes, universitários e profissionais.
No quarteirão seguinte, entre as avenidas Braz de Aguiar e Nazaré, o movimento de pessoas é eufórico, porque o comércio desta área tem serviços para atender a instituição de ensino como xerox, restaurantes, papelarias, entre outros serviços.
De acordo com a imagem abaixo, o térreo de um edifício vertical localizado na esquina da avenida Braz de Aguiar com a travessa Quintino Bocaiúva, é um ponto comercial desta travessa com característica popular. Cada estabelecimento tem um serviço, cor, nome, logomarca especifico. O conjunto se torna uma composição de diversos tons, difícil de atribuir somente um significado.
Cruzamento da avenida Braz de Aguiar com a travessa Quintino Bocaiúva. Fonte do autor. Data: 06/09/15. |
Mais à frente, no ultimo cruzamento deste primeiro trecho da incursão, entre a avenida Nazaré e a travessa Quintino Bocaiúva, um edifício modernista corresponde ao período em que a arquitetura belemense estava inserindo o movimento moderno em seu repertório.
Como descrevem os autores Marques de Carvalho e Miranda (2009), a arquitetura modernista começou a fazer parte do cenário da cidade de Belém a partir da criação do curso de Arquitetura da Universidade Federal do Pará em 1964. Até então, os projetos arquitetônicos eram tratados por engenheiros, como os autores colocam:
“Em Belém, com a criação do curso de Arquitetura da Universidade Federal do Pará em 1964, a produção arquitetônica passou a aprofundar os esforços dos primeiros projetistas, engenheiros civis e mestres de obras, que buscavam inspiração nas formas construtivas importadas dos Estados Unidos e da Europa para introduzir o Modernismo em nossa Arquitetura. Os primeiros arquitetos formados no Pará eram engenheiros civis que ocupavam funções públicas de destaque, ao mesmo tempo em que se dedicavam às atividades liberais, nos melhores escritórios de projeto e construção da cidade. Havia na época a preocupação em trazer para Belém as novidades da arquitetura moderna que se divulgava no Sudeste do Brasil, principalmente nas cidades do Rio e São Paulo, onde os exemplares pioneiros da arquitetura moderna serviam de vitrine: obras de arquitetos como Flávio de Carvalho, Lucio Costa, Oscar Niemeyer e Affonso Reidy. ” (Marques de Carvalho e Miranda, 2009).
O edifício presente neste trecho representa este momento da arquitetura belemense. Suas características correspondem ao modernismo dos engenheiros que buscaram produzir a arquitetura moderna através de traços arquitetônicos formulados sob cálculos matemáticos e com detalhes do modernismo, como a fachada livre, grandes aberturas e com pilares distribuídos sobre o plano funcional.
Além do volume deste edifício, um anexo ao lado deste edifício foi construído com formas modernas compondo assim, um conjunto ou sitio arquitetônico modernista onde funciona o Tribunal de Contas do Estado do Pará. Neste entorno, o grande tráfego de veículos públicos e privados provoca um constante barulho o que faz com que os transeuntes fiquem atentos à movimentação.
Cruzamento da avenida Braz de Aguiar com a travessa Quintino Bocaiúva. Fonte do autor. Data: 06/09/15. |
Este primeiro trecho termina no largo do redondo, no cruzamento avenida Nazaré com a travessa Quintino Bocaiúva, onde há o encontro de arquiteturas antigas e novas.
Há três palacetes antigos de estilos diferentes, residências e edificações modernas e ainda restaurações que adaptaram parte de edifícios antigos para novos usos. Neste espaço, há uma variação de significados arquitetônicos que foram construídos ao longo dos anos.
Há três palacetes antigos de estilos diferentes, residências e edificações modernas e ainda restaurações que adaptaram parte de edifícios antigos para novos usos. Neste espaço, há uma variação de significados arquitetônicos que foram construídos ao longo dos anos.
Como coloca Benjamin (1985), a partir da criação da fotografia “a mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam unicamente ao olho” (Benjamin, p. 167, 1985). O mesmo acontece neste lugar, por nele haver uma proposta de descobrir no olhar qual é a representação arquitetônica que mais destoa a atenção.
Segundo Trecho: Incursão pela travessa Quintino Bocaiúva entre a avenida Nazaré e a rua Boaventura da Silva
Ao iniciar o segundo trecho da pesquisa, na travessa Quintino Bocaiúva entre a avenida Nazaré e a rua Boaventura, na primeira quadra do lado direito no sentido dos veículos, um conjunto de edificações antigas compõem uma perspectiva que demonstra como era a antiga Quintino Bocaiúva.
Este conjunto arquitetônico de traços ecléticos é formado por mais de quatro habitações com dois pavimentos e porão, com aberturas em arco e platibanda trabalhada. Na esquina da travessa Quintino Bocaiúva com a avenida Nazaré, um edifício único com detalhes em Art Nouveau foi restaurado.
Sua entrada com mosaico de azulejos e colunas de mármores é valorizada pela cor branca. Houve uma seleção das partes autênticas desta edificação que se destacaram pela neutralidade das partes secundárias.
Sua entrada com mosaico de azulejos e colunas de mármores é valorizada pela cor branca. Houve uma seleção das partes autênticas desta edificação que se destacaram pela neutralidade das partes secundárias.
Conjunto de edificações antigas. Travessa Quintino Bocaiúva com a avenida Nazaré. Fonte do autor. Data: 06/09/15. |
O aspecto mais característico deste trecho é a decadência das fachadas ou, de outro modo, a pátina das edificações.
Quando o autor Brandi (2004) trata da restauração quanto a instancia da historicidade, o autor coloca que existe uma adição que não representa necessariamente o produto de um fazer. O autor se refere a alteração ou a sobreposição conhecida como pátina. Como coloca o autor:
Quando o autor Brandi (2004) trata da restauração quanto a instancia da historicidade, o autor coloca que existe uma adição que não representa necessariamente o produto de um fazer. O autor se refere a alteração ou a sobreposição conhecida como pátina. Como coloca o autor:
“Do ponto de vista histórico, portanto, a conservação da pátina, como aquele particular ofuscamento que a novidade da matéria recebe através do tempo e é, portanto, testemunho do tempo transcorrido, não apenas é admissível, mas é requerida de modo taxativo. ” (Brandi, p.73, 2004).
Nesse sentido, a restauração que priorizar a adição de uma parte se tornará pior se mais se aproximar do refazimento, ou seja, se a adição do restauro tentar refazer o edifício terá uma impressão ruim. Da mesma forma que o refazimento será mais consentido quando mais se afastar da adição e visar constituir uma nova unidade sobre a antiga.
É com esse diálogo que vemos nas arquiteturas deste trecho algumas intervenções que solucionaram com clareza a estrutura arquitetônica, como a edificação com detalhes Art Nouveau citada acima. Contudo, devido ao estreitamento da via e por nele haver uma arborização antiga, a maioria dos edifícios recebeu esta sobreposição do tempo.
Travessa Quintino Bocaiúva entre a avenida Governador José Malcher e a rua João Balbi. Fonte do autor. Data: 06/09/15. |
Finalizando esta incursão na travessa Quintino Bocaiuva, entre as ruas João Balbi e Boaventura, a circulação de veículos particulares toma conta do transito enquanto que os transeuntes passam com mais frequência em direção à avenida Governador José Malcher.
Alguns edifícios antigos desta área foram adaptados para restaurantes e lojas. Há pelo menos duas edificações tombadas que receberam revitalização na superfície das fachadas: o palacete antigo localizado em frente ao cruzamento da travessa Quintino Bocaiúva com a rua João Balbi, onde hoje funciona uma loja de matérias tecnológicos e o outro, um chalé antigo geminado no limite do bairro de Nazaré, o qual foi pintado de cor lilás.
Este ultimo, o chalé antigo revitalizado, por ser geminado, apenas uma face do edifício está revitalizada enquanto que a outra face encontra-se com aspecto antigo.
Enquanto passava por este chalé, uma senhora chamada Francisca saia pela porta principal do lado antigo da fachada. Ao me aproximar, perguntei: “boa tarde, com licença, a senhora mora neste lugar?”. A senhora se descontraiu e respondeu: “Moro”. Então, passei-lhe a informar sobre a pesquisa que estou desenvolvendo e assim conversamos em frente ao chalé:
Enquanto passava por este chalé, uma senhora chamada Francisca saia pela porta principal do lado antigo da fachada. Ao me aproximar, perguntei: “boa tarde, com licença, a senhora mora neste lugar?”. A senhora se descontraiu e respondeu: “Moro”. Então, passei-lhe a informar sobre a pesquisa que estou desenvolvendo e assim conversamos em frente ao chalé:
Eu: A senhora mora neste chalé a quanto tempo?
- há 46 anos. Me mudei quando jovem. Neste período, nada disto (entorno) estava construído. Eram vilas e terrenos vazios.
Eu: A senhora frequenta o bairro de Nazaré?
- Sim, frequento. Este edifício deve ter uns 100 anos e esta área já foi um dia como aquele edifício ali atrás. (edifício neoclássico na esquina da travessa Boaventura com a Rui Barbosa). Hoje, há vários prédios verticais. Eu vi desde o primeiro prédio vertical sendo construído nesta área.
Entrevista no dia 10/09/15.
De acordo com a informação dada por Dona Francisca, esta residência pertence ao período do ciclo da borracha. Pode-se observar que este chalé foi importado neste período reformulando a vida cotidiana de Belém, como colocam os autores Marques de Carvalho e Miranda (2009):
“O chalé, modelo literalmente importado (eram escolhidos inicialmente em catálogos de firmas estrangeiras), reformulou o modo de morar da população, que vivia até então em casas de planta colonial de origem portuguesa. O partido arquitetônico do chalé veio introduzir uma série de compartimentos na residência como a sala de música, de jantar, de jogos, além de separar os dormitórios no piso superior. A liberação dos limites do lote, volumetria arrojada e adaptabilidade climática contribuíram às tendências modernas futuras. Ao conotar o status de modernidade, foi amplamente difundido nas edificações das nossas elites e classes médias, ansiosas por atingir os novos padrões das metrópoles europeias. ” (Marques de Carvalho e Miranda, 2009).
O conforto do interior deste chalé é aparentemente notável, enquanto que o entorno, nem tanto. Não há mais como construir estas edificações justamente por não haver como sustenta-las economicamente.
Se torna possível entender que são exemplares que significam parte da historia da cidade de Belém pois correspondem ao período rico pelo qual Belém se tornou a cidade mais enriquecida da nação.
Se torna possível entender que são exemplares que significam parte da historia da cidade de Belém pois correspondem ao período rico pelo qual Belém se tornou a cidade mais enriquecida da nação.
Considero que as características arquitetônicas de edifícios antigos são vulneráveis as mudanças e adaptações que foram e serão realizadas, contudo, a imagem deste edifício nos faz ter um olhar destraido, por não saber se haverá uma nova reforma na qual será privilegiado algum critério arquitetônico ou se o edifício será abandonado.
Chalé antigo. Travessa Quintino Bocaiúva com a rua Boaventura da Silva. Fonte do autor. Data: 06/09/15. |
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua Reprodutibilidade técnica. In: Obras Escolhidas. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre Literatura e História da Cultura. v. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985.
BRANDI, Cesare. Teoria da Restauração. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004.
ECO, Umberto. A estrutura ausente: introdução à pesquisa semiológica. SP: Perspectiva, 2013.
MARQUES DE CARVALHO, Ronaldo, MIRANDA, Cybelle Salvador. Dos mosaicos às curvas: a estética modernista na Arquitetura residencial de Belém. Arquitextos, ano 10, set. 2009.
ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua : estudo de antropologia urbana. Iluminuras – Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001.n° 44.
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