Em uma incursão pela travessa 14 de março, iniciado no limite do bairro de Nazaré com o bairro da Cremação até o limite do bairro de Nazaré com o bairro do Umarizal, utilizei o conceito da Etnografia de Rua das autoras Rocha e Eckert (2001) que propõe uma pesquisa através da incursão etnográfica capacitando o olhar do pesquisador para a cidade tendo em perspectiva a vida urbana.
Ao iniciar este caminho, a primeira observação que afirma o cotidiano neste percurso ou o “paradigma estético na interpretação das figurações da vida social na cidade” (Rocha e Eckert, p.5, 2001), foi a presença de um leito do rio Guamá, conhecido como “canal da 14”. Em uma descrição no caderno de anotações, observei o cenário urbano como uma situação dependente ao canal:
“Ao percorrer a travessa 14 de março, percebi que há uma parte de baixo relevo na qual um afluente do rio Guamá se faz presente. Devido a existência deste canal, a topografia desta travessa até a avenida Nazaré se tornou uma ladeira. Então, do cruzamento da travessa 14 de março com a avenida Conselheiro Furtado, limite do bairro de Nazaré com o bairro da Cremação, até a avenida Nazaré, em grande parte, o espaço é formado por residências unifamiliares, onde algumas se tornaram restaurantes. Por não ter havido infraestrutura para o fluxo de uma economia eficiente, o entorno do canal da 14 cultiva poucas ações culturais o que corresponde a um espaço de poucos incentivos” (caderno de anotações. Sábado, 05/09/2015).
Ao atravessar o cruzamento da travessa 14 de março com a avenida Nazaré, onde o relevo se torna plano, o entorno transparece o conceito da cidade polifônica. Segundo Canevacci (2004), para ensaiar a cidade polifônica, o etnógrafo deve perder-se na cidade com o intuito de dar voz as vozes da cidade.
Para isso, Canevacci estuda o método benjaminiano ou a “metáfora etnográfica”, interpretando Walter Benjamin como um “cineteller” (narrador de cinema), enquanto que a cidade polifônica atribui uma reinvenção a pesquisa. Como coloca o autor:
Para isso, Canevacci estuda o método benjaminiano ou a “metáfora etnográfica”, interpretando Walter Benjamin como um “cineteller” (narrador de cinema), enquanto que a cidade polifônica atribui uma reinvenção a pesquisa. Como coloca o autor:
“O verdadeiro método benjaminiano, portanto, não é “o” método, mas sim o reconhecimento de que a criação de novos objetos de estudo, campos de pesquisa, esferas de interesse implica, mais do que a aplicação escolástica de novos métodos. Idéia ainda mais antecipadora, porque é próprio da nossa cultura – e particularmente da comunicação visual – uma produção sempre mais rápida e compulsiva dos objetos comunicativos, que não podem “Mais” ser interpretados segundo os velhos esquemas, mas sobre os quais é preciso dirigir as capacidades criativas de um novo método adequado ao objeto – e não a si próprio, de uma forma auto-referencial. O objeto de pesquisa inovadora não pertence a ninguém; não é possível reivindicar direitos adquiridos ou hegemonias disciplinares sobre ele. É o próprio objeto que destrói o velho aparelho conceitual e, simultaneamente, requer dele a produção de um novo que, mesmo inserindo-se num contexto epistemologicamente dado, exige a “reinvenção” de princípios e de perspectivas, de olhares e de narrações. O enfoque antropológico e a comunicação urbana necessitam ambos deste esforço de reinvenção” (Canevacci, p.111, 2004).
A partir desta interpretação do autor Canevacci, percebe-se neste espaço um conjunto de informações como a comunicação visual urbana, a simultaneidade dos movimentos humanos, o comportamento das pessoas entre outros aspectos compreendidos por meio desta “reinvenção”.
Neste percurso há uma situação arquitetônica que torna visível o que o autor Canevacci propõe. No cruzamento da travessa 14 de março com a avenida Nazaré, no sentido de quem sobe a ladeira percorrendo a travessa 14 de março em um automóvel, há do lado direito uma franquia de um fast-food multinacional e do lado esquerdo, a parte posterior da Basílica de Nazaré. Seguindo uma quadra, no cruzamento entre a travessa 14 de março e a avenida Governador José Malcher, do lado direito, existe o estabelecimento de uma sorveteria de grande reconhecimento da cidade e no outro a Igreja Evangélica Assembleia de Deus.
Se torna possível perceber que há uma invenção do espaço se houver a aproximação através do método benjaminiano, descrito pelo autor Canevacci como “a coleta de “dados” significativos, cuja montagem já constitui uma interpretação. O desenvolvimento é, num certo sentido, uma exposição” (Canevacci, p.107, 2004).
Nesse sentido, o conceito da cidade polifônica permite ao observador uma reinvenção da cidade tornando-o mais denso e superficial, com pontos teóricos de análise sobre a cidade que vive embaixo de galhos, com nuvens cinzas de chuva, com mormaço constante e com movimentos humanos preguiçosos.
A partir deste cruzamento, o trajeto tem um relevo plano e arborizado e se torna um excelente lugar para morar por ter edifícios verticais, academias de musculação e padarias. Até o final do percurso, a travessa 14 de março é agradável para etnografia. Talvez seja o encontro do bairro de Nazaré com do Umarizal, ambos nobres e planejados, que torna sustentável a educação e o convívio social.
Cruzamento da avenida Governador José Malcher com a travessa 14 de março. Fonte do autor. Data: 07/09/15 |
Encontro dos bairros de Nazaré e Umarizal na travessa 14 de março
Através da Etnografia de Rua das autoras Rocha e Eckert (2001), realizei uma incursão no bairro de Nazaré, especificamente no encontro dos bairros de Nazaré com o Bairro do Umarizal na travessa 14 de março.
Conforme as autoras Rocha e Eckert orientam, a coleta de dados deve ser realizada através da máquina fotográfica e do caderno de anotações, acompanhada de uma reflexão narrativa que encerra os deslocamentos humanos.
Por se tratar de um limite do bairro de Nazaré e pela grande extensão do bairro, procurei entender esta incursão através do “Olhar periférico”.
Este conceito foi tratado pela autora Ferrara (1999) em uma pesquisa em São Miguel Paulista onde, devido ao grande campo de pesquisa e pelo mesmo ser densamente povoado com características diversas, o conceito do olhar periférico busca interpretar as estatísticas qualitativas através do método “ir para ver”, ou seja, frequentar o local pesquisado e somar informações secundarias com a observação atenta.
A princípio, como coloca a autora Ferrara, a percepção urbana é “uma pratica cultural que concretiza certa compreensão da cidade e se apoia, de um lado, no uso urbano e de outro no uso físico da cidade” (Ferrara, p. 18, 1999), formando os fragmentos habituas ou os locais da cidade, que unem o uso e o habito da cidade criando a imagem perceptiva da cidade, por onde Ferrara conclui que “percepção é informação” (Ferrara, p.19, 1999).
Com isso, o contexto urbano se forma a partir das características físicas arquitetônicas, urbanísticas, tecnológicas como ruas, praças, arquiteturas, monumentos e edificações e através dos elementos de linguagem, como a fala e linguagem do usuário que “pensa, deseja, despreza a relação de suas escolhas, tendências e prazeres” (Ferrara, p.19, 1999).
Conforme orienta as autoras Rocha e Eckert e a autora Ferrara, durante esta incursão observei que na esquina da travessa 14 de março com a rua Boaventura da Silva, limite do bairro de Nazaré com o do Umarizal, uma situação arquitetônica importante deve ser compreendida por representar uma perspectiva histórica da cidade de Belém.
Neste cruzamento, duas edificações de época marcam um período do XX no qual representa a mudança estilística do período do ecletismo para a linguagem do modernismo. Do lado direito de quem vem no sentido dos carros da rua Boaventura da Silva, o estilo Art Decò se faz presente em um conjunto de residências em bom estado de conservação.
Este estilo iniciou a transição das formas arquitetônicas ornamentais para as formas funcionais que regeram o princípio da linguagem moderna.
No outro lado, uma edificação neoclássica representa um período anterior ao Art Decò e esta está como uma aparência estética inadequada. Sua superfície foi revestida de tinta acrílica brilhante, sem nenhum critério arquitetônico. Além de receber um tratamento inadequado, a fachada desta edificação possui um outdoor que cobre a platibanda do prédio
Ao passar por este lugar conversei com o senhor Nascimento. Este senhor é sapateiro e trabalha há 15 anos em uma das salas da edificação com características neoclássicas. Ao iniciar uma conversa sobre o cotidiano deste espaço, seu Nascimento começou uma história sobre o terreiro da caboca Mariana, a Iara cantadora, devido o dia 07 de setembro ser sua celebração.
Com isso, logo o perguntei qual seria a perspectiva para a clientela, seu Nascimento respondeu e assim seguimos com a conversa:
- Entra feriado, sai feriado conserto com o que der e vier. Pago 850 reais pelo aluguel, se não trabalhar todo dia não ganho.
Interessado em saber quais seriam as perspectivas de seu Nascimento sobre o estabelecimento, o perguntei o que ele achava do seu local de trabalho, se as condições eram boas, ele respondeu:
- Tinha um toldo aqui que eu pedir para tirarem pela água da chuva. O sol entra na sala às duas da tarde, aí tenho que fechar as portas.
Eu: A localização é boa?
- Claro. Quem faz ser boa é o profissional. Trabalhador de Deus.
Eu: O senhor é religioso e acompanha o Círio de Nazaré?
- Acompanho o Círio a 34 anos, para mim, só se pegar na corda que estou abençoado.
Eu: O senhor frequenta o bairro de Nazaré?
- Moro no Guamá e trabalho aqui. Tenho contato com o bairro do comércio onde faço compras. Frequentava mais o bairro de Nazaré quando os cinemas funcionavam, antes de serem vendidos. Hoje, só tem o cinema pornô. O antigo cine Nazaré reunia gente. ”
(Entrevista no dia 07/09/2015)
Entendo que está edificação representa um estilo antigo e que não pode ser destruída. O seu Nascimento tem consciência disto e no momento em que nos despedíamos, ele pensou que se este edifício for tombado como um prédio próximo a este, a área ganharia valor.
O próprio senhor Nascimento explicou que está começando a construção de um prédio de 40 andares em frente de sua loja e que talvez haja retorno econômico.
O próprio senhor Nascimento explicou que está começando a construção de um prédio de 40 andares em frente de sua loja e que talvez haja retorno econômico.
REFERÊNCIAS
CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica. Ensaio sobre a antropologia da Comunicação urbana. 2ª ed. SP, Studio Nobel, 2004.
FERRARA, Lucrécia D’Alessio. Olhar periférico: Informação, Linguagem, Percepção Ambiental. 2º ed., SP: Editora da universidade de SP, 1999.
FERRARA, Lucrécia D’Alessio. Olhar periférico: Informação, Linguagem, Percepção Ambiental. 2º ed., SP: Editora da universidade de SP, 1999.
ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia de Rua : estudo de antropologia urbana. Iluminuras – Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001.n° 44.
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