sexta-feira, 11 de setembro de 2015

História da Avenida e do Bairro de Nazaré

Este texto foi elaborado para o Estágio Docente do curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará realizado na disciplina Estética das Artes Plásticas sob orientação da Prof.a Dr.a Cybelle Salvador Miranda.

O desenvolvimento desta etapa buscou em referências bibliográficas a história desta avenida, a qual carrega em seu nome a origem do bairro.

Na primeira metade do século XIX, Belém era representada pela Campina (atual Comércio) e pela cidade (atual Cidade Velha). Ainda presente, o aterro do Pirí, uma baixada alagadiça, ocupava um pedaço de terra central da atual cidade. 

Nessa primeira metade do século, Belém já se destacava pela sua “estrutura urbana de características únicas na região”, com igrejas e palácios deixados pelo período Pombalino, construídas em sua maioria pelo talento do arquiteto Antônio Landi (Derenji, p.83, 2009). 

O Bairro de Nazaré, considerado nesse período subúrbio da cidade, tinha como sua importância a capela de Nossa Senhora de Nazaré. 

O mito de sua origem conta a história do caçador Plácido José de Souza (conhecido mais pelo nome de Plácido) que, no século XVIII, certo dia, morava em uma área da cidade denominada Estrada do Maranhão, onde hoje existe a Basílica de Nazaré. Em um de seus momentos de caçada teria encontrado a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, esculpida em madeira e assim continua a narrativa:

“Depois de achar a imagem nas pedras de um córrego, Plácido levou-a até sua cabana. No dia seguinte ela não estava mais lá. Plácido encontrou-a no mesmo lugar, entre as pedras do córrego. Isso aconteceu mais algumas vezes, para o espanto do caboclo. Ele decidiu então construir uma ermida de palha, as margens do córrego para abrigar a imagem. A ermida ficava ao lado de uma cabana usada como pouso para viajantes. Isso ajudou para que a devoção a Virgem de Nazaré se espalhasse pela cidade” (Província do Pará apud Silva et. al., p.4, 2011).

 Plano Geral da cidade do Pará, 1791. Fonte: Sudosesp. 

A primeira ermida ou palhoça em devoção à N.sa Sra. de Nazaré foi erguida por Plácido próximo a sua casa, por volta de 1721. 

Urgia a necessidade de uma nova ermida que comportasse aos fiéis que cresciam. Nesse tempo, Plácido havia morrido sem ter concluído a segunda ermida e um vizinho, Antônio Agostinho, a concluiu em 1774. Segundo o coronel Ciríaco Alves da Cunha, esta capela ficava aproximadamente onde está o relógio público, no largo de Nazaré. Esta segunda ermida foi destruída em 1802. Ainda foi construída uma terceira capela antes da atual Brasílica Santuário de Nazaré.

Em 1835, o arraial de Nazaré foi descrito como um “simples, solitário e sombreado de árvores agrestes”, que formava um:

“Largo quadrilátero de setenta e quatro braças de largura (...) com uma ermida no centro, dedicada à Nossa Senhora de Nazaré, cuja imagem era primitivamente venerada em uma espécie de armário, enfeitado dentro da humilde casa de um homem pardo chamado Plácido, um dos poucos moradores daquele sitio, e nesse armário iam alguns devotos rezar e depor as suas oferendas em certos dias da semana”. (Barão de Guajará apud Cruz, p.83, 1971).

No lugar descrito, “anualmente, em outubro ou novembro, durante os dias do quarto à lua cheia, se faz a novena e missa” (Baena apud Penteado, p.118, 1968). 

Antônio Baena descreveu, em 1839, que a novena seguia por uma estrada iniciada no largo da pólvora (Praça da República), estrada que era plana e sem calçada, composta por mata dos dois lados com algumas entradas ou caminhos por onde os belenenses foram adentrando com casas baixas e ordinárias (barracas).

Vários visitantes que moraram em Belém na primeira metade do século XIX, contam, com suas palavras, como era o sitio de Nazaré.

Ao se mudar para uma rocinha na Aldeia de Nazaré, o naturalista inglês, Henry Walter Bates, que visitou Belém em 1848, a descreve:

“Um edifício quadrado, com quatro salas do mesmo tamanho. O quintal, que parecia recentemente roubado da floresta, era plantado de árvores frutíferas e de pequenos trechos com roças de café e mandioca. Entrava-se por um portão de ferro, que dava para uma praça gramada, em torno da qual estavam as poucas casas e mucambos cobertos de palha, que então formavam a aldeia”. (Bates apud Cruz, p.37, 1971).

Outro naturalista, Alfred Russel Wallace, que visitou Belém em 1848, deixou importantes descrições sobre os aspectos arquitetônicos, entre estes uma descrição sobre como eram construídas as habitações do sitio de Nazaré:

“Adiante das ruas da cidade, caminhos abertos naqueles tempos existia uma grande área cortada de estradas e de travessas, que se cruzavam umas com as outras em ângulos retos, estavam as rocinhas, havendo uma, duas ou mais, em cada quarteirão”. (Wallace apud Cruz, p.43, 1971).

As rocinhas, habitações distantes da cidade, descritas de várias maneiras pelos visitantes, foram estudas pelo Museu Goeldi, o qual as entende de duas formas:

“Moradias simples construídas com madeiras ou pau a pique (...) formas retangulares, varandas e telhado em quatro águas, em harmonia com seu entorno natural. ” 
“Moradias com influências neoclássicas, inclusive com a existência de frontões (...) porão alto, escadarias de pedra de lioz, e detalhes arquitetônicos preciosos, porém não apresentavam varandas laterais (...) paredes construídas com tijolos sustentados por baldrames para dar maior solidez e assim resultar em maiores vãos nos porões, que posteriormente passavam a ser habitáveis. ” (Goeldi).

Em 1848, existia na Província somente uma única estrada que ligava o largo da pólvora ao dito arraial.

O levantamento de plantas dos terrenos do arraial feito pelo presidente da Província do Grão-Pará, Jerônimo Francisco Coelho, reconhecia que a estrada estava em mato, porém, percebeu-se um sitio que: 

“Por seu plano elevado, arejado e sadio, era próprio para nele se edificarem quintas, e para todo o tempo para nele estender-se à cidade, para que oferece excelentes proporções”. (Dubois, p. 68, 1953).

O próprio governador Francisco Coelho descreve o ofício: “retalhei o sitio do arraial em ruas e travessas, um número de mil árvores aproximadamente” (Dubois, p. 68, 1953).

Assim, estava delineada o Largo de Nazaré como o é atualmente. Em 1851 e 1852, quatro novas estradas foram delineadas. O Largo de Nazaré passou a ser o núcleo longe da cidade velha no qual agrupou-se a cidade nova. 

“Assim como Belém antiga se formou em torno do paço do governador, da Catedral e do paço do bispo, assim, a Belém moderna se formou em torno de Nazaré. Do arraial irradiaram estradas para o Marco, para o Tucunduba, para a Campina, para o Umarizal, para a Soledade. Em todos os sentidos abriam-se ruas e estradas que iam a Nazaré ou de Lá vinham, não demorando estas estradas e ruas em se enfeitarem com edifícios públicos ou casas particulares” (Dubois, p. 69, 1953). 

Segundo o cálculo de Cruz (1971), a população de Belém em 1700, data da descoberta da imagem de N.sa Sra., era de 6.574 habitantes, em 1800, quando a terceira ermida era preparada, eram 12.467, e em 1850, com Jerônimo Francisco Coelho se esforçando pelo arraial e redondeza havia 40.990 belenenses.

Na segunda metade do século XIX, devido as descobertas dos usos da borracha, artigo originário da Amazônia, Belém se desenvolveu de maneira eufórica. O comércio da borracha foi realizado com a troca da matéria-prima por produtos industriais pré-fabricados como materiais de construção e até mesmo prédios inteiros. Azevedo (2015) descreve a mudança da cidade e a integração com o bairro de Nazaré:

“No final do século XIX, as moradias conhecidas como rocinhas passaram, em grande parte, a ser habitadas permanentemente pelos seus proprietários – que em grande parte fugiam do centro comercial belenense – e que com o próspero desenvolvimento do comércio, gerou-se uma valorização dos imóveis existentes no centro comercial, justificando, com devidas proporções, a evasão de grande parte da população abastada dos bairros considerados antigos para os novos bairros que se abriam para a ocupação (...) bairros como Nazaré, Batista Campos, Umarizal passaram a ser ocupados, principalmente, de forma efetiva pela elite local (...)” (Azevedo, 2015).

Com o ciclo da borracha considerado ‘efêmero, transitório, alucinante’, Belém sofreria consequências que marcariam profundamente sua paisagem urbana. O ferro, como material modernizado, influenciou o traçado urbano com grandes edifícios, o mesmo também fez com que a sociedade belenense importasse peças comercializadas em catálogos com instruções de montagem.

No período de 1897 a 1908, o intendente Municipal de Belém, Sr. Antônio José de Lemos, reformulou a cidade de Belém e todas as construções feitas desde então.

Nos primeiros anos, a Intendência municipal lutou contra pequenas casas e puxadinhas (adaptações das rocinhas), demolindo alguns prédios. Através do Marco da Légua, combateu a construção de barracas. Com isso, aos poucos foram sendo construídos prédios de extraordinário valor intrínseco e estimado. A regulamentação dos serviços de transporte e comércio junto a Lei Municipal de 1900, contribuíram para o desaparecimento das barracas. 

Ao mesmo tempo, eram escolhidas arborizações adaptadas ao clima.  Tudo indica que Antônio Lemos aconselhou que se plantassem mangueiras. Em 1904, as Leis Municipais regulamentaram que qualquer obra executada desse ano em diante deveriam cumprir as exigências legais. Entre algumas ordens estavam:

As paredes deveriam ser sólidas;  
As sacadas deveriam ser construídas acima de 5 metros; 
Nenhum cômodo deveria ser menor que 12 m², salvo os banheiros; 
Cada pavimento teria altura determinada; 
Nenhum edifício poderia ter altura maior que 20 metros. 

No mesmo ano, foi criada a Inspetoria da Edificação que tinha como finalidade fiscalizar construções arquitetônicas de Belém. Grande parte da Beleza urbana de Belém deve-se a rigorosa organização do intendente Antônio Lemos.

Em seus relatórios são expressas suas preocupações quanto aos bondes elétricos, redes de esgoto e água encanada, perfeitas limpezas públicas, drenagem dos pântanos, aterro das depressões, nivelamento das ruas, arborização das avenidas, transformação das praças ou parques umbrosos, construção de edifícios públicos de primeira ordem pública assim como à salubridade e condições dos edifícios construídos, entre outros serviços de interesse da coletividade.

Acima de tudo isso, Antônio Lemos tornou necessário a fiscalização em Prédios Particulares, pois para ele de nada adiantaria a reforma urbana de interesse coletivo se não houvesse o bem-estar do inquilino.

A Lei nº 429 de 15 de março de 1905, decretava reformas obrigatórias de prédios com frente em beiral (Pará-colônia) localizados na Avenida Nazaré, São Jerônimo, e nas novas avenidas. A mesma Lei previa a demolição de todas as barracas construídas na área citada, somente sendo permitidas construções em alvenaria. Durante o ano de 1906, foram registradas 187 plantas de construções urbanas, das quais 9 foram rejeitadas.

Em 1907, foram colocadas placas numeradas em edifícios e vias públicas. Também em 1907, foram contratados serviços de embelezamento e saneamento da cidade, serviços de limpeza, também foi aprovado o regulamento de bondes elétricos, assim como foram realizadas visitas domésticas em edifícios particulares para fiscalizar a higiene.

Em 1908, foi realizado o tratado sobre a estética dos prédios existentes ou por construir na cidade. Foi previsto o reparo em platibandas e o alinhamento obrigatório das vias. Um exemplo deste tratado foi a construção da Vila Bolonha. 

Nesse período, a avenida de Nazaré foi comparada às ruas de Paris. A reforma promovida em Belém em muito se parece com a reforma urbana de Paris, ocorrida sob as ordens do Barão de Haussmann, prefeito do Sena de 1853 a 1870.

Ambas as capitais previam por Lei a regulamentação da construção arquitetônica quanto à altura, salubridade e instalações dos edifícios, ocorrendo nas duas capitais várias demolições e despejos. Também ocorreu em ambas capitais a reforma urbana, da criação do plano traçando vias até o embelezamento e saneamento urbano. As imagens a seguir mostram Belém do início do século, as edificações e avenidas.

Planta da cidade de Belém, 1905. Fonte: Belém da Saudade, 1998. 

Estrada de Nazaré, à esquerda, Praça da República.
Fonte: Revista de Belém, 1910.

Hospital Dom. Luiz I construído em 1877,
localizado na Avenida Generalíssimo com a travessa João Balbi.
Fonte: Belém da Saudade, 1998.

Durante as primeiras décadas do século XX, Belém enfrentaria uma crise devido a borracha ter tido outro lugar de exportação organizado na Malásia e junto a isso, o período entre as duas grandes guerras mundiais. Nesse contexto, o comércio da cidade estagnou e se acentuou a decadência.

Após o período entre guerras, existia em Belém um passado próximo que havia sofrido a decadência e uma nova geração pensando a modernização. A cidade saiu do isolamento cultural com chegada de novas tendências arquitetônica.

Contudo, como pode ser entendido no panorama da arquitetura no Brasil, o estilo Art Decò e mesmo o Neocolonial, durante este período, ainda eram projetados de forma confusa, pois praticamente todas as arquiteturas construídas no Brasil até a terceira década do século XX eram copiadas de estilos europeus, que constituem o chamado período do ecletismo.

Segundo Marques de Carvalho e Miranda (2009), em Belém, a partir da segunda metade do século XX, com a criação do curso de Arquitetura e Urbanismo Federal do Pará em 1964, o modernismo seria aprofundado por projetistas, engenheiros civis e mestres de obras. No início, a arquitetura modernista foi projetada em Belém com linhas inspiradas nas arquiteturas dos Estados Unidos e da Europa.

Com o aumento da população através do processo de verticalização, a arquitetura modernista foi difundida em prédios institucionais, comerciais e residências.

Em 1985, os conjuntos arquitetônicos das avenidas Nazaré e Governador José Malcher foram tombados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Avenida Governador José Malcher e a Travessa Rui Barbosa: Conjunto arquitetônico com vocabulário neoclássico acrescido de algumas particularidades de gosto luso-brasileiro com o azulejamento das fachadas, característico da linguagem oitocentista nacional. 
Avenida Nazaré: Surgiu com o mito da Virgem de Nazaré que se tornou marco histórico da cidade de Belém. O Conjunto arquitetônico construído no período da Belle Epoquê, é composto por edifícios de valor intrínseco à história da cidade.

Em 2004, foram feitas ações de identificação e documentação do Círio de Nazaré e no mesmo ano, o Círio de Nazaré foi registrado como Patrimônio Cultural Imaterial. Em 2014, o Círio de Nazaré, representado pela Arquidiocese de Belém e Diretoria da Festa do Círio, recebe o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO. 

Com esse entendimento sobre o bairro, o projeto para incursão da avenida Nazaré está completo.


REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Felipe Moreira. A Linguagem arquitetônica Tradicionalista: estudo das residências neocoloniais no bairro de Nazaré, em Belém do Pará (1910-1940). Dissertação de mestrado. UFPA, 2015.
BELÉM DA SAUDADE: A Memória de Belém do Início do século em Cartões-Postais. 2 eds. Ver. Aum. Belém: Secult, 1998.
CRUZ, Ernesto. As Edificações de Belém: 1783- 1911.  Coleção “História do Pará” serie “Arthur Vianna”. Conselho Estadual de Cultura. Belém-PA. 1971.
DERENJI, Jussara da Silveira. Igrejas, Palácios e Palacetes de Belém. Brasília: Iphan/ Programa Monumenta, 2009.
DUBOIS, Padre Florencio. A devoção à Virgem de Nazaré, em Belém do Pará. 2º Edição, revista e augmentada. 1953.
GOELDI. Conceito de rocinha. www.museu-goeldi.br.
MARQUES DE CARVALHO, Ronaldo, MIRANDA, Cybelle Salvador. Dos mosaicos às curvas: a estética modernista na Arquitetura residencial de Belém. Arquitextos, ano 10, set. 2009.
PENTEADO, Antônio Rocha. Belém: Estudo de Geografia Urbana. Vol. 1. UFPA, 1968.
REVISTA DE BELÉM. Souza Cabral, Caixa Postal nº 647. Pará: 1910
SILVA, José Maria da. Festa, Religiosidade e a Cidade: O Círio de Nazaré em Belém. XI CONLAB. UFBA, 2011).

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