quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Pesquisa sobre os limites do bairro de Nazaré

Primeira etapa: Avenida Alcindo Cacela

Nesta etapa foi realizada uma incursão pela Avenida Alcindo Cacela a partir do cruzamento com a Rua Boaventura da Silva percorrendo cinco quadras da Avenida Alcindo Cacela até o cruzamento com a Avenida Conselheiro Furtado. Este percurso foi elaborado pelo método etnográfico sugerido pelas autoras Rocha e Eckert (2001), a Etnografia de Rua.

Este conceito realiza uma investigação antropológica coletando a dinâmica da vida urbana com a utilização da "máquina de mão", ou seja, a máquina fotográfica e do diário de campo.

 Mapa do bairro de Nazaré. Em vermelho, trajeto do percurso realizado.
Fonte: AutoCad. 

No início da incursão, no cruzamento da avenida Alcindo Cacela com a rua Boaventura da Silva, limite do bairro de Nazaré com o bairro do Umarizal, vários exemplos da linguagem da arquitetura moderna têm uso residencial unifamiliar.

O cenário da rua, nesta primeira quadra, tem uma forte circulação de carros e ônibus, e gira entorno do tráfego para a avenida Nazaré a qual é um corredor de tráfego para a região metropolitana de Belém.

Adiante, foram selecionados alguns trechos das anotações do diário de campo que expõem algumas situações importantes sobre os edifícios que melhor expressam a linguagem da arquitetura neste trajeto:

“Na esquina da Avenida Alcindo Cacela com a Travessa João Balbi, há uma situação que expressa um importante período da arquitetura no qual a arquitetura moderna foi concebida. Na direção do trânsito da Travessa João Balbi, no lado direito, um prédio com características Art Decò como por exemplo o detalhe de linhas simplórias, a simetria das aberturas, a centralidade da entrada e da composição do prédio são opostas a um prédio branco com elementos modernos, com uma inadequada solução arquitetônica. Do lado esquerdo da Travessa João Balbi, este edifício branco tem mais de quatro tipos de abertura, nenhuma em harmonia e com uma puxadinha na laje. Nesta representação, há de um lado o estilo antecessor à arquitetura moderna, o qual propôs uma transição do fazer arquitetônico inspirado na tradição histórica à funcionalidade, e de outro, a solução mal elaborada de um traçado regulador, sem critérios arquitetônicos” (Diário de Campo: Incursão pela Avenida Alcindo Cacela. Sábado, 20 de junho de 2015).

Para compreender este limite do bairro, tendo em vista que esta fronteira foi uma repercussão da expansão da primeira légua da cidade e ao mesmo tempo se iniciava o movimento moderno, considerei os fundamentos da arquitetura moderna através dos lembretes formais e técnicos de Le Corbusier por pensar que o movimento modernista foi capaz de ilustrar a nova linguagem e os conceitos futuros da arquitetura.

Considero também que neste trajeto há uma grande quantidade desta linguagem e que segundo a autora Waisman (2013): 

“É bem provável que a linguagem do movimento moderno – isto é, planos lisos, volumes puros, as formas ortogonais – permaneça também por muito tempo, como parte integrante dos recursos de projeto. Há cinquenta anos de sua criação, essas formas existem por direito próprio no repertório corrente e parecem destinadas a continuar. O gosto popular aceita-as como sinônimos de modernidade e progresso” (Waisman, p.78, 2013).

A partir deste princípio, observei o movimento de pessoas entorno da arquitetura. Como os planos lisos são agradáveis e confortantes os transeuntes passam com ligeireza, aparentemente não se irritam com a arquitetura. Em outro trecho do diário de campo descrevi como a forma de um edifício se torna agradável aos olhos.

“Em outra esquina da Avenida Alcindo Cacela, na Avenida Governador José Malcher, o prédio da Unidade de Referência Materno Infantil e Adolescente obedece aos fundamentos de Le Corbusier. Seu volume foi trabalhado para que sua solução arquitetônica fosse percebida com clareza. É um retângulo longo, de cem metros aproximadamente, com somente uma forma elevada em seu centro, esta é outro retângulo com aberturas perpendiculares à entrada. Percebe-se nesta construção, a preocupação estética da arquitetura moderna de preencher o espaço com formas elaboradas através de cálculos matemáticos. O material que reveste a superfície deste edifício também faz referência ao movimento moderno. A utilização do combogó fez parte da ideia modernista dos vãos livres com a circulação da ventilação e da iluminação natural. É possível imaginar que quando um elemento moderno como o volume deste prédio é construído de maneira planejada, o entorno se integra” (Diário de Campo: Incursão pela Avenida Alcindo Cacela. Sábado, 20 de junho de 2015).
Prédio com características modernas
na Av. Alcindo Cacela esquina com a Av. Gov. José Malcher.
Fonte do Autor. Data: 20/06/15.

Desde o início do trajeto até a avenida Governador José Malcher, poucos são os exemplos de arquitetura antiga. A partir desta avenida, alguns exemplos aparecem, porém, em um sitio sem continuidade estilística, ao mesmo tempo complexo e contraditório.

Durante todo percurso, notei que quando há necessidade de projetar um edifício com destaque, para chamar mais a atenção ou para promover algum tipo de comércio como universidades, supermercados, academias, hospitais, escolas, lojas de venda eletrônicos, entre outros, as formas são projetadas através da concepção pós-moderna.

O autor Venturi, em seu livro Complexidade e contradição na arquitetura, traz uma contribuição para constatar a ausência de significado cultural na arquitetura moderna assim como é exposto a importância das arquiteturas de estilos históricos. O autor constata que na arquitetura moderna a formalidade causa ausência de sensibilidade e a imaginação do habitante desta arquitetura muda do simples para o exótico.

Nesse sentido, o pós-modernismo adaptou as idéias modernistas ao significado cultural e aos estilos históricos. Com isso, o transeunte tem um grande impacto com a arquitetura quando tem a perspectiva da fachada. 

É importante entender que nesta fronteira do bairro, a topografia da avenida é uma evidência de que há um limite entre o bairro e seus vizinhos.

A fronteira do bairro de Nazaré com o bairro da Cremação, por exemplo, na avenida Alcindo Cacela esquina com a avenida Conselheiro, uma baixa declinação se torna área com predominância da arquitetura pós-moderna, como supermercado, farmácias, centro de convenções e posto de gasolina. Como reforça uma anotação do caderno de campo:

“Próximo à esquina da Avenida Conselheiro Furtado, após uma loja de utensílios médicos na esquina, o supermercado líder, com sua fachada ocupando 1/5 da quadra do lado esquerdo da Avenida Alcindo Cacela no sentido do tráfego de veículos, apresenta uma solução arquitetônica pós-moderna. Uma enorme platibanda revestida de um material industrial pendura a logomarca da empresa do lado direito. Logo abaixo, no primeiro pavimento, a simetria das aberturas em vidro nas extremidades da fachada acompanha as rampas de entrada que, vindo dos dois lados, se encontram no centro da fachada do edifício. Para esta solução arquitetônica houve uma preocupação estética com a forma, esta característica é dada pelos arquitetos pós-modernista que utilizam a retórica ou as soluções arquitetônicas dos estilos históricos para encontrar o significado cultural. Contudo, é um volume de fácil compreensão, como preza a linguagem modernista. A planta também foi projetada para ser funcional e eficiente. Não tão diferente é o vizinho deste edifício. Um centro de convenções de quatro pavimentos. Sua estrutura é simétrica com uma coluna em cada lado e um semicírculo unindo-as. É revestido por vidros e pastilhas de uma tonalidade. O que chama mais a atenção deste edifício é o seu muro no limite do terreno, o que aparenta que não houve um planejamento adequado para sua entrada ” (Diário de Campo: Incursão pela Avenida Alcindo Cacela. Sábado, 20 de junho de 2015).

Cabe a dedução de que a partir da ênfase dada à arquitetura deste entorno, se colocam também as interpretações em reformas ou intervenções nas arquiteturas antigas, devido ao comércio e ao entorno.

São repetitivos os casos em que o estilo Neoclássico, Neocolonial e Art Nouveau são esquecidos pela cor branca e pelo vidro ou pelo excesso de comunicação visual. A paisagem cultural deste trajeto só se torna compreensível através da sua economia. Se necessário, o antigo vira novo e o novo vira rebuscado. 

A percepção do etnógrafo se torna a observação da “supermodernidade”. O conceito de supermodernidade proposto por Augé retoma a pesquisa antropológica de um ponto de vista contemporâneo que devido a superabundância de fatos e com a necessidade de dar sentido ao presente, o etnógrafo se depara com o tempo e o espaço, com o “Não-lugar”. Segundo Augé (1999):

“Na realidade concreta do mundo de hoje, os lugares e os espaços, os lugares e os não-lugares misturam-se, interpenetram-se. A possibilidade do não-lugar nunca está ausente de qualquer lugar que seja. A volta ao lugar é o recurso de quem frequenta os não-lugares (e sonha, por exemplo, com uma residência secundaria enraizada nas profundezas da terra) Lugares e não-lugares se opõem (ou se atraem), como as palavras e as noções que permitem descreve-las” (Augé, p.98, 1994). 

Na extensão de um não-lugar existe a análise da economia, para onde se está indo cada vez mais a reflexão etnografia e política.



Vídeo do trajeto. Fonte do autor.


REFERÊNCIAS

AUGÉ, Marc. Não-Lugares, Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas, SP. Papirus Editora, 1994.

WAISMAN, Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para o uso latino-americanos. SP: Perspectiva, 2013.

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