sábado, 22 de agosto de 2015

Compreendendo ações no bairro de Nazaré

Incursão no entorno do Palacete Augusto Montenegro e a Exposição “Tempo Gravado”, do artista José Fernandes.


Durante uma incursão no bairro de Nazaré, com o intuito de pesquisar qual a forma com que os transeuntes se colocam perante uma exposição artística realizada no Museu da Universidade Federal do Pará localizado na Avenida Governador José Malcher com a Avenida Generalíssimo Deodoro, em um edifício construído durante o ciclo da borracha conhecido como Palacete Augusto Montenegro, devido o mesmo ter pertencido ao Governador Augusto Montenegro, percebi que o movimento do entorno passa sem corresponder a importância deste edifício.

Porém, quando a observação de uma pessoa coincide com o cartaz exposto na fachada do edifício, há uma reflexão ou leitura da exposição e em seguida, um esquecimento, como se o momento correspondesse a um fenômeno que nos aproxima e nos distancia da realidade.

Palacete Augusto Montenegro. Fonte do autor. Data: 22/08/15. 

Ao entrar no Palacete, a observação do momento é outra. Desde a escadaria ao salão principal, a qualidade dos materiais arquitetônicos é marcante. Essa edificação, além de estar conservada, foi um marco do período em que foi construída quando a mesma se tornou um exemplar a ser seguido por todas construções da cidade.

Todas esquadrias externas em madeira foram trabalhadas no estilo Art Nouveau assim como a composição do piso em ladrilho hidráulico, pastinhas e tábuas claras e escuras de Pau Amarelo. Nas paredes, mármores escuros e claros estão em composição com as cores sobre tons nas paredes.

Dessa forma, a preservação do palacete causa um impacto conservador sobre as telas do artista.

Foyer do Palacete Augusto Montenegro. Fonte do Autor. Data: 22/08/15

Num primeiro momento da exposição, corpos abstratos são colocados inteiros nas telas com o título “De corpo inteiro”. Cada um tem uma expressão e juntos demonstram que os gestos humanos são unidos por sentimentos. Em frente aos corpos inteiros, os “Atos” dão singularidade ao momento contemporâneo, a “inquietude da realidade”.

Conforme se entra na exposição, as telas ficam abstratas, mais efêmeras, com expressões que nos remetem à abstração de Jackson Pollock ou às telas de Jean Basquiat. Num terceiro momento da exposição, as “Cabeças” expressam a face do cansaço das pessoas com velha idade, tão expressivas quanto as telas e desenhos do projeto “Belém da Memória”, cuja autoria é do mesmo artista.

Exposição “Tempo Gravado”, do artista José Fernandes.
Fonte do autor. Data: 22/08/15. 

É substancial discorrer sobre conceito do autor Pierre Bourdieu para a compreensão desta exposição. No artigo desenvolvido pela autora Cunha (2007), alguns dos textos etnográficos de Pierre Bourdieu foram estudados para aprofundar o conhecimento do conceito. 

Segundo Cunha (2007), o conceito “capital cultural’ é central ao entendimento das relações de dominação de uma estrutura social porque trata da dimensão simbólica da luta entre diferentes grupos sociais. 

Nesse sentido, o espaço social é um espaço de lutas. A cultura é um exercício da legitimação de um grupo sobre outros. Segundo a autora, nenhuma cultura é superior a outra, mas, os valores tácitos atribuídos por um grupo dominante numa dada estrutura social é que fazem dela a cultura legitima e mesmo assim a legitimidade é resultado de uma luta. 

A posse do capital cultural é então o argumento para o regaste de uma cultura, uma legitimidade da cultura.

A autora Cunha (2007) levanta a questão: “ Qual a validade do conceito nos dias atuais? ” (Cunha, p.517, 2007). Na nova ordem mundial deve-se pensar no alcance e limites do conceito de Bourdieu. 

Para Negri, a nova ordem mundial com diferentes culturas em um contexto geográfico, tem como égide uma pretensa “unidade nacional” (Negri apud Cunha, p. 517, 2007).

 Na condição de se estar “entre mundos”, o autor Said coloca a ideia de “trânsfuga”, onde o sujeito colonial, aquele desterritorializadas, exilado de sua cultura, é capaz de traduzir criticamente sua origem a partir de sua posição geoestratégica (Said apud Cunha, p. 517, 2007).

É no nosso período contemporâneo, neste contexto sem fronteiras, onde se inscreve a violência simbólica que deve ser pensado o conceito capital cultural. O novo capital cultural deriva de investimentos culturais diversos e o que o assegura é sua transmissão.

Assim, a exposição do artista José Fernandes, descrita acima, nos faz refletir um novo contexto, no qual o “Tempo Gravado” pode ser o capital cultural, ou seja, um tempo intelectual registrado em telas e desenhos, e por meio de uma exposição ser transmitido.



REFERÊNCIAS

CUNHA, Maria Amália de Almeida. O conceito “capital cultural” em Pierre Bourdieu e a herança etnográfica. Perspectiva, Florianópolis, v.25, n.2, 503-524.jul/dez. 2007.


sábado, 15 de agosto de 2015

Pesquisa sobre os limites do bairro de Nazaré

Quarta etapa: Rua General Henrique Gurjão, Travessa Benjamin Constant e Rua Boaventura da Silva


Nesta ultima etapa, foi realizado uma incursão pelo limite do bairro de Nazaré, iniciado na rua General Henrique Gurjão esquina com a Avenida Assis de Vasconcelos, percorrendo duas quadras até a travessa Benjamin Constant, seguindo uma quadra desta travessa em direção a rua Boaventura da Silva e finalizando à oito quadras de distância percorridas da mesma rua.

Esta pesquisa utilizou o método da Etnografia de Rua de acordo com que as autoras Rocha e Eckert (2001) descrevem, um método que “afirma uma preocupação com a pesquisa antropológica a partir do paradigma estético na interpretação das figurações da vida social na cidade” (Rocha e Eckert, p.5, 2001).

Mapa do bairro de Nazaré. Em vermelho, quarto percurso realizado.
Fonte: AutoCad. 

No primeiro perímetro deste limite do bairro de Nazaré, na rua General Henrique Gurjão e a travessa Benjamin Constant, pode-se entender que devido ao estreitamento da via, investidores e comerciantes não são atraídos a construir edifícios. Neste trecho, a composição arquitetônica é descaracterizada, fora à parte, alguns casos de edifícios verticais e horizontais modernos.

No decorrer da rua Boaventura da Silva, entre as travessas Dom Romualdo de Seixas e Benjamin Constant, são poucos exemplos de arquitetura antiga que sobreviveram integralmente desde a construção do bairro de Nazaré e Reduto.

Durante o século XX, o estilo neoclássico representava a continuação dos traços arquitetônicos europeus que foram formulados no Brasil dentro das condições materiais possíveis. Há fachadas edificadas que foram preservadas, porém, não como na época de sua fundação, com uma longa unidade na extensão da via.

Perspectiva da rua Boaventura da Silva. Fonte do Autor. Data: 15/08/15.

Da mesma forma se percebe o estilo Art Decò. No bairro do reduto, devido ao comercio industrial durante o século XX, este estilo arquitetônico foi construído para abrigar operários das fabricas. São elementos de composição simples com poucos ornamentos construídos no limite do lote.

Ainda hoje, alguns exemplos são visíveis em sua integridade, outros foram reformados para o comércio de serviços.

Rua Boaventura da Silva esquina com a travessa Alm. Wandenkolk.
Fonte do Autor. Data: 15/08/15

Dentro deste limite, as edificações horizontais modernas, em um caso bem expressivo localizado nesta rua na esquina com a Avenida Visconde de Souza Franco, três exemplares demonstram que o modernismo representa a simplicidade estética do Art Decò, projetado de outro modo no lote e na planta-baixa.

Este exemplares modernistas podem ser considerados redundantes quanto a sua formalidade, porém, quando o projeto tem o objetivo de dar um determinado uso à edificação, se torna mais fácil o mesmo edifício perdurar na história.

A morfologia do trajeto na rua Boaventura da Silva acompanha a declinação do canal da Avenida Visconde de Souza Franco como uma rampa para ambos os lados, desde o alto bairro do Umarizal, declinando em direção ao canal, de onde se tem uma subida até o limite do bairro na rua Boaventura com a travessa Benjamin Constant.

Nos dois últimos quarteirões, em grande parte, as edificações são residenciais e nobres. A ocupação dos lotes demonstra que existiram fachadas de períodos anteriores, talvez no estilo Art Nouveau e Art Decò.

Ainda existem alguns exemplares que compõem uma linguagem anterior à moderna. Por exemplo, na esquina da rua Boaventura da Silva com a travessa 14 de março, em ambos os lados as arquiteturas remetem ao início e meio do século XX.

Como outras edificações antigas foram preservadas em vilas e em terrenos planejados, constrói-se um limite composto por arranha-céus, habitações reformadas para novos usos como lojas e escritórios além destes exemplares que pertencem ao passado.

Paisagem Cultural do bairro de Nazaré. Fonte do Autor. Data: 15/08/15.


REFERÊNCIAS

ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua: estudo de antropologia urbana. Iluminuras - Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001, nº 44.

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Pesquisa sobre os limites do bairro de Nazaré

Terceira etapa: Avenida Serzedelo Corrêa e Assis de Vasconcelos


Nesta etapa, foi realizado uma incursão pelo limite do bairro de Nazaré nas avenidas Serzedelo Corrêa e Assis de Vasconcelos, a partir da avenida Conselheiro Furtado até a rua General Henrique Gurjão. O método de pesquisa foi elaborado através do conceito das autoras Rocha e Eckert (2001), a Etnografia de Rua. 

Esse conceito realiza a incursão etnográfica tendo em vista os cenários da vida urbana, anotando-os e registrando-os.

 Mapa do bairro de Nazaré. Em vermelho, terceiro trajeto percorrido.
Fonte: AutoCad. 

No percurso da Avenida Serzedelo Corrêa, a diversidade arquitetônica é vista como algo bom e ruim. O valor de um palacete histórico é inestimável, por contar o amor e a união entre uma família e a sociedade. Com tudo, o mesmo valor deveria ter um palacete degradado, em ruínas. A mesma força está presente, porém, não nos olhos, mas, nas formas.

Além de revigorarem como uma fonte para o ensaio e pesquisa, neste perímetro, os palacetes são vizinhos de prédios modernos, de edifícios antigos restaurados e abandonados, de fachadas pós-modernas de restaurantes e lojas.

Estes últimos, como um todo, são edifícios com fachadas provisórias, que iram se tornar o que for necessário. Até o cruzamento da avenida Serzedelo Corrêa com a avenida Nazaré, a paisagem se compõem tão como os automóveis da avenida.

Cruzamento entre a Av. Serzedelo Corrêa e Gama Abreu.
Fonte do Autor. Data: 14/08/15. 

Neste cruzamento, existe um longo período da história da cidade de Belém o qual nos remete ao século XIX até o século XXI. O prédio que bifurca este cruzamento, entre a avenida Nazaré e a avenida Serzedelo, chamado de edifício Manoel Pinto da Silva, foi construído na década de 50 e na época considerado um dos maiores prédios da Amazônia.

Este edifício já foi um dia uma edificação com estilo Art Nouveau que podia ser vista de vários ângulos da praça da república, onde bondes seguiam em diversos caminhos.

Do outro lado da avenida Serzedelo Corrêa, o edifício planejado no estilo Art Nouveau, onde hoje funciona IEP (Instituto de Educação do Pará) também já foi local de um famoso jornal do início do século XX, o jornal “A província do Pará”, que durante o ciclo da borracha pertenceu ao intendente Antônio Lemos e por meio deste jornal, orientava os cidadãos a cumprirem as leis da cidade.

Na outra esquina, do lado direito da avenida Nazaré, um prédio com estilo Neocolonial preenche a vista de quem passa no tráfego do trânsito. Esse espaço, a Casa da Linguagem, é um lugar que oferece biblioteca, cursos, palestras para o desenvolvimento da cultura.

Se este entorno for conservado como paisagem cultural, um espaço integrador da identidade cultural de Belém terá o destino de prover de diálogos culturais, sem com isso, ser esquecido por novas partes urbanas da cidade.

Na última parte deste trecho do limite do bairro, na fronteira do bairro de Nazaré com o bairro do Reduto, descrevi em um trecho do diário de campo a importância deste espaço para o bairro:
“No limite do bairro de Nazaré, localizado entre a avenida Assis de Vasconcelos e a avenida Nazaré, a compreensão da história da cidade de Belém se torna transparente. No século XVIII, este espaço era chamado de “Largo da Pólvora”, de onde partia a única estrada da cidade em direção ao território brasileiro, conhecida como “Caminho do Utinga”, de onde partia também o traslado dos fiéis até a ermida de Nossa Senhora de Nazaré. No passado, este espaço dividia a cidade (campina e cidade velha) do meio rural, hoje, se comporta como meio de encontros e festividades entre a população e a história, entre a sociedade e a cultura” (Diário de Campo: Incursão pelas Avenidas Serzedelo Corrêa e Assis de Vasconcelos. Sexta-feira, 14 de agosto de 2015). 
Praça da República. Fonte do Autor. Data: 11/08/15 

Pesquisa sobre os limites do bairro de Nazaré

Segunda etapa: Avenida Conselheiro Furtado, Travessa Quintino Bocaiuva e Avenida Gentil Bittencourt


Nesta etapa foi realizado a investigação do limite do bairro de Nazaré que se inicia na Avenida Conselheiro Furtado esquina com a Avenida Alcindo Cacela, segue por três quadras na Avenida Conselheiro F., percorre uma quadra na Travessa Quintino Bocaiuva até a Avenida Gentil Bittencourt e segue por esta Avenida por quatro Quarteirões até a Avenida Serzedelo Corrêa.

Esta pesquisa foi realizada através da Etnografia de Rua, conceito proposto pelas autoras Rocha e Eckert (2001) que visa coletar as situações da vida urbana através do caderno de anotações e da máquina fotográfica. 

Mapa do bairro de Nazaré. Em vermelho, segundo trajeto percorrido.
 Fonte: AutoCad. 

A primeira impressão ao chegar na avenida Conselheiro Furtado é o brilho das janelas de um condomínio vertical. Com uma cor neutra, os edifícios refletem a intensa luz do sol. Esta mesma intensidade é rebatida no asfalto que, com pouca arborização na extensão da via, deixa o transeunte encalorado.

O fato é que no cruzamento da travessa 14 de março com a avenida Conselheiro F., uma quadra à frente, há um canal no nível d’água, por isso, o perímetro se torna mais quente por estar no nível do mar. Apenas este condomínio e o edifício em frente têm características que remetem à um estilo arquitetônico. 

Nesta primeira quadra deste limite, são mais de cem metros de habitações descaracterizadas, algumas com três metros de fachada, outras com cinco, outras com dez metros, todas com paredes no limite do lote. São lojas com logomarcas reluzentes, residências com grade de ferro, sacadas e puxadinhas. Entre as habitações, há num total seis vielas, três em cada lado da via. 

Talvez seja barulhento e quente morar nesta quadra, porém, a sensação de coletividade é notável o que pode unir as pessoas pela mesma causa.

 Av. Conselheiro Furtado. Fonte do autor. Data: 11/08/15

A partir do cruzamento com a travessa 14 de março, a avenida Conselheiro F. tem uma elevação em sua topografia até a avenida Generalíssimo D. O aumento de ventilação e arborização nas calçadas tornam o terreno qualificado. As lojas e restaurantes tem outro aspecto, estes investiram em suas fachadas e calçadas.

Na quadra seguinte, entre a avenida Generalíssimo D. e travessa Quintino B., todo quarteirão é sombreado por mangueiras. A maior parte das habitações são unifamiliares com recuo. Um perímetro quase plano com uma leve declinação em direção a travessa Quintino.

Aparentemente não tem um comércio expressivo como nas duas primeiras quadras do trajeto. Pelo contrário, nas calçadas pessoas caminham tranquilamente, algumas sentam nas varandas, fica visível que o canal da travessa 14 de março é um obstáculo a ser trabalhado por arquitetos e engenheiros para o bem-estar da cidade e da população.

Av. Conselheiro F. esquina com a Av. Generalíssimo D.
Fonte do Autor. Data: 11/08/15.

Decorrendo o trajeto, na travessa Quintino Bocaiuva, uma porção de habitações residenciais no lado esquerdo no sentido do transito de automóveis, com cores chamativas e paredes no limite dos lotes, aparentam ser intervenções feitas em casas antigas.

Um exemplo é a intervenção feita na edificação da esquina da travessa Quintino B. com a avenida Gentil B. Esta edificação de dois pavimentos com janelas simétricas e em harmonia vedadas com vidro e persianas, pertence a um período anterior à atual e que devido a esta reforma não é possível sabe-lo, apenas se percebe que a reforma tornou a edificação em um ponto comercial com “valor estético” contemporâneo.

Seguindo pelo limite do bairro, a avenida Gentil Bittencourt representa uma face bucólica da cidade de Belém. Em cinco quadras, da travessa Quintino Bocaiuva até a avenida Serzedelo Corrêa, o corredor sombreado de mangueiras expõe uma serena pátina nas fachadas das habitações. Em um trecho do diário de campo, foram anotadas algumas partes desta sensação:

“No limite do bairro pertencente à avenida Gentil B., a composição arquitetônica é outra. De um lado, na primeira quadra, o edifício do Centur, com características modernistas, tem em sua fachada várias janelas divididas simetricamente pelos brise-soleis e em primeiro plano, uma estrutura metálica correspondente a quadra do centro cultural na qual várias atividades são realizadas, como a festa junina. Do outro lado da avenida, outra edificação pertencente a uma instituição particular, também tem características modernas. Esta quadra representa uma parte da cidade plana, arborizada e bem cuidada, com marcos de civilização que a cidade de Belém merece. Nas duas quadras seguintes, há uma subida até a esquina da travessa Dr. Moraes. Um impacto neste espaço é o edifício onde funciona o IBGE. Este prédio remonta uma época em que a cidade se locomovia à bonde, quando se importava produtos industriais e se exportava matéria prima. Em uma descontinuidade de estilos, entre fachadas antigas e modernas, a paisagem cultural conta aos transeuntes através de suas nuances, a sabedoria do tempo e o ensino para saber vê-la” (Diário de Campo: Incursão pela Avenida Conselheiro Furtado, Quintino B. e Gentil B. Quarta-feira, 12 de agosto de 2015).  

Chegando ao final do percurso, na Av. Gentil B. entre a travessa  Dr. Moraes e a avenida Serzedelo Corrêa, de um lado, o Cemitério da Soledade, parte da historia da cidade que pertenceu ao período da Belle Èpoque e que hoje é reconhecido pelo seu valor histórico e cultural pelo Iphan. No outro lado, um silêncio reverberado pelo cemitério em fachadas antigas e decompostas pelo tempo.

Um marco desta quadra são os moradores de rua que, sem condições, criam suas casas do lado oposto às lápides.

Av. Gentil B. esquina com a Av. Serzedelo Corrêa.
Fonte do Autor. Data: 11/08/15.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Pesquisa sobre os limites do bairro de Nazaré

Primeira etapa: Avenida Alcindo Cacela

Nesta etapa foi realizada uma incursão pela Avenida Alcindo Cacela a partir do cruzamento com a Rua Boaventura da Silva percorrendo cinco quadras da Avenida Alcindo Cacela até o cruzamento com a Avenida Conselheiro Furtado. Este percurso foi elaborado pelo método etnográfico sugerido pelas autoras Rocha e Eckert (2001), a Etnografia de Rua.

Este conceito realiza uma investigação antropológica coletando a dinâmica da vida urbana com a utilização da "máquina de mão", ou seja, a máquina fotográfica e do diário de campo.

 Mapa do bairro de Nazaré. Em vermelho, trajeto do percurso realizado.
Fonte: AutoCad. 

No início da incursão, no cruzamento da avenida Alcindo Cacela com a rua Boaventura da Silva, limite do bairro de Nazaré com o bairro do Umarizal, vários exemplos da linguagem da arquitetura moderna têm uso residencial unifamiliar.

O cenário da rua, nesta primeira quadra, tem uma forte circulação de carros e ônibus, e gira entorno do tráfego para a avenida Nazaré a qual é um corredor de tráfego para a região metropolitana de Belém.

Adiante, foram selecionados alguns trechos das anotações do diário de campo que expõem algumas situações importantes sobre os edifícios que melhor expressam a linguagem da arquitetura neste trajeto:

“Na esquina da Avenida Alcindo Cacela com a Travessa João Balbi, há uma situação que expressa um importante período da arquitetura no qual a arquitetura moderna foi concebida. Na direção do trânsito da Travessa João Balbi, no lado direito, um prédio com características Art Decò como por exemplo o detalhe de linhas simplórias, a simetria das aberturas, a centralidade da entrada e da composição do prédio são opostas a um prédio branco com elementos modernos, com uma inadequada solução arquitetônica. Do lado esquerdo da Travessa João Balbi, este edifício branco tem mais de quatro tipos de abertura, nenhuma em harmonia e com uma puxadinha na laje. Nesta representação, há de um lado o estilo antecessor à arquitetura moderna, o qual propôs uma transição do fazer arquitetônico inspirado na tradição histórica à funcionalidade, e de outro, a solução mal elaborada de um traçado regulador, sem critérios arquitetônicos” (Diário de Campo: Incursão pela Avenida Alcindo Cacela. Sábado, 20 de junho de 2015).

Para compreender este limite do bairro, tendo em vista que esta fronteira foi uma repercussão da expansão da primeira légua da cidade e ao mesmo tempo se iniciava o movimento moderno, considerei os fundamentos da arquitetura moderna através dos lembretes formais e técnicos de Le Corbusier por pensar que o movimento modernista foi capaz de ilustrar a nova linguagem e os conceitos futuros da arquitetura.

Considero também que neste trajeto há uma grande quantidade desta linguagem e que segundo a autora Waisman (2013): 

“É bem provável que a linguagem do movimento moderno – isto é, planos lisos, volumes puros, as formas ortogonais – permaneça também por muito tempo, como parte integrante dos recursos de projeto. Há cinquenta anos de sua criação, essas formas existem por direito próprio no repertório corrente e parecem destinadas a continuar. O gosto popular aceita-as como sinônimos de modernidade e progresso” (Waisman, p.78, 2013).

A partir deste princípio, observei o movimento de pessoas entorno da arquitetura. Como os planos lisos são agradáveis e confortantes os transeuntes passam com ligeireza, aparentemente não se irritam com a arquitetura. Em outro trecho do diário de campo descrevi como a forma de um edifício se torna agradável aos olhos.

“Em outra esquina da Avenida Alcindo Cacela, na Avenida Governador José Malcher, o prédio da Unidade de Referência Materno Infantil e Adolescente obedece aos fundamentos de Le Corbusier. Seu volume foi trabalhado para que sua solução arquitetônica fosse percebida com clareza. É um retângulo longo, de cem metros aproximadamente, com somente uma forma elevada em seu centro, esta é outro retângulo com aberturas perpendiculares à entrada. Percebe-se nesta construção, a preocupação estética da arquitetura moderna de preencher o espaço com formas elaboradas através de cálculos matemáticos. O material que reveste a superfície deste edifício também faz referência ao movimento moderno. A utilização do combogó fez parte da ideia modernista dos vãos livres com a circulação da ventilação e da iluminação natural. É possível imaginar que quando um elemento moderno como o volume deste prédio é construído de maneira planejada, o entorno se integra” (Diário de Campo: Incursão pela Avenida Alcindo Cacela. Sábado, 20 de junho de 2015).
Prédio com características modernas
na Av. Alcindo Cacela esquina com a Av. Gov. José Malcher.
Fonte do Autor. Data: 20/06/15.

Desde o início do trajeto até a avenida Governador José Malcher, poucos são os exemplos de arquitetura antiga. A partir desta avenida, alguns exemplos aparecem, porém, em um sitio sem continuidade estilística, ao mesmo tempo complexo e contraditório.

Durante todo percurso, notei que quando há necessidade de projetar um edifício com destaque, para chamar mais a atenção ou para promover algum tipo de comércio como universidades, supermercados, academias, hospitais, escolas, lojas de venda eletrônicos, entre outros, as formas são projetadas através da concepção pós-moderna.

O autor Venturi, em seu livro Complexidade e contradição na arquitetura, traz uma contribuição para constatar a ausência de significado cultural na arquitetura moderna assim como é exposto a importância das arquiteturas de estilos históricos. O autor constata que na arquitetura moderna a formalidade causa ausência de sensibilidade e a imaginação do habitante desta arquitetura muda do simples para o exótico.

Nesse sentido, o pós-modernismo adaptou as idéias modernistas ao significado cultural e aos estilos históricos. Com isso, o transeunte tem um grande impacto com a arquitetura quando tem a perspectiva da fachada. 

É importante entender que nesta fronteira do bairro, a topografia da avenida é uma evidência de que há um limite entre o bairro e seus vizinhos.

A fronteira do bairro de Nazaré com o bairro da Cremação, por exemplo, na avenida Alcindo Cacela esquina com a avenida Conselheiro, uma baixa declinação se torna área com predominância da arquitetura pós-moderna, como supermercado, farmácias, centro de convenções e posto de gasolina. Como reforça uma anotação do caderno de campo:

“Próximo à esquina da Avenida Conselheiro Furtado, após uma loja de utensílios médicos na esquina, o supermercado líder, com sua fachada ocupando 1/5 da quadra do lado esquerdo da Avenida Alcindo Cacela no sentido do tráfego de veículos, apresenta uma solução arquitetônica pós-moderna. Uma enorme platibanda revestida de um material industrial pendura a logomarca da empresa do lado direito. Logo abaixo, no primeiro pavimento, a simetria das aberturas em vidro nas extremidades da fachada acompanha as rampas de entrada que, vindo dos dois lados, se encontram no centro da fachada do edifício. Para esta solução arquitetônica houve uma preocupação estética com a forma, esta característica é dada pelos arquitetos pós-modernista que utilizam a retórica ou as soluções arquitetônicas dos estilos históricos para encontrar o significado cultural. Contudo, é um volume de fácil compreensão, como preza a linguagem modernista. A planta também foi projetada para ser funcional e eficiente. Não tão diferente é o vizinho deste edifício. Um centro de convenções de quatro pavimentos. Sua estrutura é simétrica com uma coluna em cada lado e um semicírculo unindo-as. É revestido por vidros e pastilhas de uma tonalidade. O que chama mais a atenção deste edifício é o seu muro no limite do terreno, o que aparenta que não houve um planejamento adequado para sua entrada ” (Diário de Campo: Incursão pela Avenida Alcindo Cacela. Sábado, 20 de junho de 2015).

Cabe a dedução de que a partir da ênfase dada à arquitetura deste entorno, se colocam também as interpretações em reformas ou intervenções nas arquiteturas antigas, devido ao comércio e ao entorno.

São repetitivos os casos em que o estilo Neoclássico, Neocolonial e Art Nouveau são esquecidos pela cor branca e pelo vidro ou pelo excesso de comunicação visual. A paisagem cultural deste trajeto só se torna compreensível através da sua economia. Se necessário, o antigo vira novo e o novo vira rebuscado. 

A percepção do etnógrafo se torna a observação da “supermodernidade”. O conceito de supermodernidade proposto por Augé retoma a pesquisa antropológica de um ponto de vista contemporâneo que devido a superabundância de fatos e com a necessidade de dar sentido ao presente, o etnógrafo se depara com o tempo e o espaço, com o “Não-lugar”. Segundo Augé (1999):

“Na realidade concreta do mundo de hoje, os lugares e os espaços, os lugares e os não-lugares misturam-se, interpenetram-se. A possibilidade do não-lugar nunca está ausente de qualquer lugar que seja. A volta ao lugar é o recurso de quem frequenta os não-lugares (e sonha, por exemplo, com uma residência secundaria enraizada nas profundezas da terra) Lugares e não-lugares se opõem (ou se atraem), como as palavras e as noções que permitem descreve-las” (Augé, p.98, 1994). 

Na extensão de um não-lugar existe a análise da economia, para onde se está indo cada vez mais a reflexão etnografia e política.



Vídeo do trajeto. Fonte do autor.


REFERÊNCIAS

AUGÉ, Marc. Não-Lugares, Introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas, SP. Papirus Editora, 1994.

WAISMAN, Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para o uso latino-americanos. SP: Perspectiva, 2013.