domingo, 22 de março de 2015

Reconhecimento do bairro de Nazaré

O valor histórico e o comemorativo

Com o propósito de repensar a cidade de Belém a partir do bairro de Nazaré tendo como objetivo realizar um estudo sobre a paisagem cultural e assim, dar possibilidades a preservação da identidade do mesmo, fiz uma incursão pelo bairro tendo conhecimento sobre o personagem baudelairiano, o flâneur. 

Esta proposta propõe uma caminhada pela cidade em um percurso sem compromissos, sem destinos fixos. O flâneur percebe a cidade concebendo o movimento urbano, observando sua estrutura e suas relações sociais, econômicas, políticas, estéticas, etc. Para as autoras Rocha e Eckert (2001), a cidade deste andarilho conta uma história, como descrevem:

"A cidade acolhe seus passos, e ela passa a existir na existência deste que vive, na instância de seu itinerário, um traçado que encobre um sentido, algo que será desvendado ao seu final. Espaços, cheiros, barulhos, pessoas, objetos e naturezas que o caminhante experiencia em sua itinerância, não sem figuras pré-concebidas. Sua caminhada é de natureza egocêntrica, funcional, mas também poética, fabulatória e afetiva, e por que não dizer, uma caminhada cosmológica como os jogos de memória que os tempos reencontrados proustinianos encenam." (Rocha e Eckert, p.1, 2001).

No início, ao percorrer a Avenida Governador José Malcher, percebi que algumas arquiteturas se destacam na paisagem pela conservação de sua aparência.

Entre os estilos, estão as modernas, como os arranha-céus do século XXI, as habitações com fachadas lisas em concreto que utilizam uma econômica linguagem, também se destacam as casas antigas, tanto quando recebem uma intervenção de restauro ou mesmo quando são abandonadas, foi assim que tive uma compreensão sobre o bairro.

Através destas representações antigas e atuais, é possível conhecer a história da cidade, seu desenvolvimento, sua expansão e como a cidade permanece.  

Nessa incursão, entre a avenida Alm. Wandenkolk e a Visconde de Souza Franco, houve uma situação quando, por um instante, o tráfego de automóveis se intensificou, um cheiro de pneu subiu nas calçadas, nenhuma pessoa ao redor, nenhuma parada de ônibus, apenas a calçada e uma arquitetura esquecida pelo tempo, prestes a desabar pelo peso da vegetação nascendo em suas paredes.

A proposta de registrar uma arquitetura antiga e abandonada para contar que a mesma tem uma tipologia neoclássica com platibanda, escada e porão, esquadrias em arcos, tem como ideia transmitir uma lembrança de uma época.

Casarão na Gov. José Malcher
entre Wandenkolk e Av. Visconde de Souza Franco.
Desenho Gráfico. Fonte do Autor

No caminhar desta avenida, observei que o que destaca as arquiteturas, em grande parte, são valores de memória. A situação do casarão abandonado me fez refletir um pensamento de Riegl, pois, o que impacta o observador pode ser seu valor de memória o qual justifica um valor histórico, um estágio evolutivo de uma época que foi importante. 

Nesse sentido, segundo Riegl (2014), a "criação original como obra humana" traduz o valor histórico relacionado aos valores de memória e não as "influências de degradação da natureza" (Riegl, p.55, 2014). Assim, mesmo com sua aparência deteriorada, esse casarão pertence a uma época com importância para a cidade e seu estilo remonta uma origem antiga.

Em pouca distância, a um quarteirão e meio, na esquina da José Malcher com a travessa Dom. Romualdo de Seixas, uma edificação restaurada do estilo neoclássico preenche a vista pelas suas cores, com tons ocres, detalhes brancos e bem localizada, com duas fachadas expostas, sem nenhuma obstrução. 

Os traços desta obra são marcados por uma tendência arquitetônica que embora grande parte tenha sido produzida no Brasil com recursos simplórios, durante 1820 até o final do século XIX, representa uma busca pela linguagem da antiguidade, um estilo caracterizado pela releitura de elementos da arquitetura grega e romana.

Suas afirmações como uma corrente estilística podem ser entendidas como uma reação aos excessos decorativos provocados pelo barroco e pelo rococó, e pela descoberta arqueológica da cidade de Pompéia, em 1748, a qual possibilitou um vasto conhecimento sobre a vida cotidiana na antiguidade.

Em volta do prédio, passam carros e motos, na travessa Dom. Romualdo de Seixas, veículos de maior porte são poucos, enquanto que na José Malcher, o caos está presente desde seu início, no bairro de São Braz, até seu final, nos limites do bairro de Nazaré, constante pela manhã e pela tarde. O que ocorre nesta esquina é uma mudança brusca entre tranquilidade e trânsito.

Contemplar este exemplar em uma caminhada sem compromisso, sem destino fixo, apenas percebe-la em um todo, traduz outro valor, o valor volível de memória ou o comemorativo, um valor que tem “o objetivo de (...) nunca deixar, de certa forma, que um momento faça parte do passado, permitindo que permaneça na consciência das gerações futuras, sempre presente e vivo.” (Riegl, p.63, 2014). 

Nesse exemplo, o restauro do edifício neoclássico torna a apreciação adequada, causa a impressão do momento em que o edifício foi construído. Dessa forma, desenho este exemplar para mantê-lo vivo em nossa memória.

Edifício Neoclássico na Gov. José Malcher com a
 Tv. Dom. Romualdo de Seixas.
Desenho Gráfico. Fonte do Autor. 

Em menos de duas quadras do bairro de Nazaré pode-se ver o que foi esquecido e preservado. Duas arquiteturas produzidas em períodos próximos com impactos distintos. 

Nesse sentido, a autora Bogea coloca que "os ambientes construídos pelos homens guardam, através de sua materialidade, a memória das idéias, das práticas sociais e dos sistemas de representação dos indivíduos que ali convivem", e acrescenta que é "impossível e inconveniente querer manter integralmente a memória materializada na produção cultural" (Bogea, p.3, 2009), a seleção do que recordar ou esquecer acontece com as partes que se pretendem manter vivas. 

A autora enfatiza, perante a seleção das partes do patrimônio, que é a ação crítica que fará a continuidade do bem, sem contudo querer preservar sua totalidade material por não se controlar ou fixar o tempo passado. 

Assim, a gama de conhecimentos deste perímetro deve ter um estudo correspondente, capaz de enxergar seus detalhes. 

Pretende-se, através deste blog, pesquisar o universo que há neste bairro e a cada percurso, de passo a passo, chegar a uma equação entre patrimônio material e imaterial, para com a paisagem cultural, uma forma integradora de preservação do patrimônio, compor um modo de educar a quem almeja dar significado a este bairro.


REFERÊNCIAS

BOGEA, Marta. Esquecer para preservar/ Forget to preserve. Arqutextos, UFRG, 2009.

RIEGL, Alois. 1858-1905. O culto moderno dos monumentos: a essência e a sua origem. 1ª edição. SP : Perspectiva, 2014.
ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua : estudo de antropologia urbana. Iluminuras – Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001.n° 44.

segunda-feira, 16 de março de 2015

Reconhecimento do bairro de Nazaré

As Vilas Militares

Durante uma incursão pelo bairro de Nazaré, percorri a Avenida Nazaré e a Avenida Governador José Malcher, passando pelas ruas que as cruzam, coletando dados com uma 'máquina de mão', instrumento que "aprofunda o estudo das formas de sociabilidade no mundo contemporâneo"(Rocha e Eckert, p.19, 2001), e com um caderno de anotações.

Estas duas avenidas são contempladas com sombras de árvores, as mangueiras que cobrem o céu e protegem as pessoas que transitam da água da chuva, acalmam uma trajetória etnográfica. Entre estas ruas, na Travessa 14 de março, notei que existem espaços com mais arborização e outros com menos.

Nesta primeira incursão pela paisagem do bairro de Nazaré, percebi que algumas árvores não tinham suas raízes presentes nas calçadas, as quais me chamaram a atenção para uma vila militar que possui uma implantação, urbanização, tipologia e estilo arquitetônico próprio.

Segundo Bonates e Valença (2010), as vilas militares são compostas por não mais do que 50 blocos de apartamentos, aproximadamente. A produção imobiliária destas vilas se expandiu ao longo da primeira metade do século XX até a década de 60 em meio a 'modernização do Exército', que para os autores, a ideia desta expansão era "estabelecer um Exército profissional, com a formação de um tipo de soldado-cidadão para servir a nação" (Bonates e Valença, 2010).

Estas vilas não são diferentes somente em sua implantação e urbanização, mas também em outras características como a vivência e o cotidiano, com normas sociais e regras de conduta bem estabelecidas. Segundo os autores, até hoje são construídas vilas militares, no entanto, em pequeno número.

O auge da produção deste tipo de habitação se desenvolveu junto com o movimento modernista.A partir desta época, as arquiteturas das vilas sofreram mudanças, mas contudo, existem vilas que são de outros estilos como as ecléticas, as neocoloniais ou mesmo as regionais.

Esta vila que percebi pelas sombras das árvores se apresentava como um silêncio de um jardim, um cenário urbano distinto, que tem a arquitetura no estilo regional com varandas em madeira, telhados de quatro águas e com recuos de fachada, o que lembra a época em que não existia muito barulho nas ruas, época em que a rua era segura.

Vila Militar na Tv. 14 de março. Desenho Gráfico. Fonte do Autor.

No intuito de conhecer vilas militares para entender um pouco mais sobre os espaços que ampliam a beleza da paisagem cultural do bairro, pesquisei através do artigo publicado pelos autores Azevedo e Miranda (2013), intitulado: 'Residências Neocoloniais do Bairro de Nazaré (Belém-PA): um percurso guiado pela Etnografia de Rua'.

Em uma citação do texto, localizei a vila militar ou conjunto militar que os autores colocam enquanto estavam percorrendo a Av. Gov. José Malcher: "Já nas próximas quadras há um conjunto militar, entre Quintino e a Avenida Visconde de Souza Franco, que possuem azulejos, varanda com guarda corpo de madeira e frontão ondulado" (Azevedo e Miranda, p.378, 2013).

Ao me aproximar desta vila militar, olhando-a da esquina, pela repetição das fachadas e com a descrição feita pelos autores, lembrei que esta mesma tem uma abertura para a Travessa João Balbi, por onde se vê que existe uma rua interna com portaria e nome (Passagem Salgado Filho).

O estilo arquitetônico neocolonial pertence a uma época em que foram construídas arquiteturas que representavam a 'brasilidade', tinha como proposta uma arquitetura que concebesse o passado colonial brasileiro como fonte de tradição histórica e artística nacional, com elementos de composição das construções do tempo da colônia, diferentemente das arquiteturas que vinham sendo produzidas em território nacional.

O termo neocolonial foi utilizado por países da América Latina para combater as arquiteturas cosmopolitas, universalizantes e europeizantes, buscando o retorno de uma tradição arquitetônica autêntica nacional. Porém, com a expansão do movimento modernista, o estilo neocolonial, consolidado na década de 1920, perderia suas forças.

A importância de existir uma vila militar no estilo neocolonial no bairro de Nazaré é significativa. Representa uma parte da história da cidade de Belém, a ocupação do território pelas Forças Armadas, que se preocuparam em afirmar a identidade nacional.

Faço esse desenho para relembrar a afirmação, por parte das Forças Armadas, da identidade nacional.

Vila Militar na Av. Gov. José Malcher. Desenho Gráfico. Fonte do Autor.

Contudo, é a paisagem cultural do bairro de Nazaré, contemplada pela diversidade arquitetônica, que pode um dia ser preservada. É importante que esta seja entendida como um todo, como um bem, e não somente como parte de um bairro.

As vilas militares são uma peculiaridade do bairro que permitem o estudo de uma época e de certo modo, o que deve ser lembrado e esquecido. 


REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Felipe Moreira; MIRANDA, Cybelle Salvador. Residências Neocoloniais do Bairro de Nazaré (Belém-PA): um percurso guiado pela Etnografia de Rua. ANAIS - 7º Seminário Internacional em Memória e Patrimônio, Pelotas, 2013.

BONATES, Mariana Fialho, VALENÇA, Márcio Moraes. Vilas Militares no Brasil. Site: vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.125/3570
ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua: estudo de antropologia urbana. Iluminuras - Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001, nº 44.

sábado, 14 de março de 2015

Reconhecimento do bairro de Nazaré

A diversidade arquitetônica

O conceito da Etnografia de Rua, o qual utilizo nesta pesquisa, foi proposto pelas autoras Rocha e Eckert (2001), um conceito que surge como uma pesquisa que se desloca pela cidade tendo em vista uma proposta benjaminiana, onde esta etnografia "afirma uma preocupação com a pesquisa antropológica a partir do paradigma estético na interpretação das figurações da vida social na cidade" (Rocha e Eckert, p.5, 2001).

Essa prática etnográfica tem como intuito capacitar o olhar do pesquisador para a cidade tendo em perspectiva, a vida urbana. Não é uma reinvenção ou reencantamento da cidade, mas uma coleta de ações que se deslocam pelos cenários e contextos através de observações etnográficas.

Rocha e Eckert (2001) descrevem este conceito como um estudo de observação sistemática de rua, de ruas ou de bairros, seguida de uma descrição etnográfica das situações, cenários, personagens, circunstâncias do movimento urbano local e em entrevistas e conversações com os moradores e frequentadores da rua estudada, para identificar "significados sobre o viver o dia-dia na cidade" (Rocha e Eckert, p.7, 2001).

Começo pesquisando o dia-dia do bairro de Nazaré. Em uma primeira incursão pelo bairro, contemplando a diversidade arquitetônica, percebo que de quadra em quadra, sempre há mais de um estilo arquitetônico. São arquiteturas que remetem ao século XIX até século XXI.

Uma panificadora na esquina da Travessa Rui Barbosa com a Avenida Governador José Malcher, com detalhes neoclássicos como a platibanda em alto relevo, aberturas em arco, construída entre o final do século XIX, início do século XX e em bom estado de conservação, tem como plano fundo de sua paisagem, prédios construídos no século XXI, como expressa o desenho gráfico:

 Tv. Rui Barbosa com Av. Gov. José Malcher. Desenho Gráfico. Fonte do Autor. 

Algumas pessoas cruzam o semáforo pela tarde com pães, algumas entram no táxi para seguir viagem, logo chega outro taxista, que passa o tempo trocando piadas, discutindo condições sobre o trânsito, uma rua com forte movimento pela tarde.

As nuances da tarde desta esquina poderiam estar presentes em outra época porém, hoje, com uma composição de arquiteturas modernas e pós-modernas, revestidas de vidro e ferro, feitas de concreto armado, configura-se uma paisagem cultural com descontinuidade estilística.

Nesse sentido, será proposto neste blog algumas entrevistas com pessoas que moram, transitam ou trabalham neste bairro e será pesquisado, na fala dos entrevistados, lembranças de outra época e como estas são esquecidas na paisagem cultural.

Neste entorno arquitetônico diversificado, compor um estudo sobre a identidade do bairro e ao mesmo tempo conservar a história do mesmo, é o que pretende esta pesquisa.



REFERÊNCIAS

ROCHA, Ana Luiza; ECKERT, Cornelia. Etnografia de rua : estudo de antropologia urbana. Iluminuras – Banco de Imagens e Efeitos Visuais, PPGAS/UFRGS, 2001.n° 44.

terça-feira, 10 de março de 2015

Reconhecimento do bairro de Nazaré

O Mandarim

 O Mandarim. Desenho Gráfico. Fonte do Autor.

Registro da paisagem cultural do bairro de Nazaré.
Momento marcado pela passagem de pessoas em frente à loja o mandarim na Avenida Nazaré.
Desenho elaborado como experimento etnográfico de um projeto de preservação que, a princípio, o esboço é uma representação do cotidiano para repensar o bairro.